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Formas de Amar Capítulo 1

7345 palavras | 3 |4.58
Por

Ricardo Ferreira Costa, parece um nome bem comum e de fato é, venho de uma família considerada bem normal por assim dizer, nunca vi a necessidade de grandes feitos para provar meu valor, apenas procurei sempre seguir minha vida com honestidade e dignidade que aprendi com meus saudosos pais que já não estão mais neste mundo tão cheio de ansiedades e questões morais.

Aos 20 anos consegui passar no curso de Direito na Universidade Federal e com muita dificuldade mas o mesmo nível de felicidade me formei com destaque 5 anos depois tendo feito estágio em um dos melhores escritórios da cidade.

Como falei anteriormente nunca vi a necessidade de grandes feitos, mas imagino que eles sejam consequência natural de um duro e dedicado trabalho e estudo, admito que tive bastante reconhecimento na área mas como todos conhecem a realidade de nosso país demorei um bocado para traduzir isso em uma vida economicamente boa. Apenas após os 40 após milhares de processos consegui juntar uma quantia bastante significativa de dinheiro, era a tão sonhada independência financeira, finalmente saí do aluguel e pude comprar meu próprio apartamento.

Obviamente todos esses anos de trabalho duro tiveram um custo em minha vida pessoal, nunca busquei me envolver com ninguém, sempre tive o pensamento de que antes de qualquer decisão em relação ao assunto eu deveria ter minha estabilidade garantida, não era justo tentar criar e manter uma família se não poderia lhe dar condições economicas adequadas, eu pensava.

Após chegar aos 41 anos decidi que era a hora de tentar algo diferente e passei a frequentar mais os círculos sociais, em busca de uma companhia eu pensava, eu já não tinha meus pais e a maior parte de minha família morava em outros Estados. Para resumir a história toda foi em um desses encontros sociais, uma festa da Ordem dos Advogados para ser mais exato que conheci Helena, que haveria de se transformar em minha esposa.

Helena era literalmente um jovem prodígio, passou na Faculdade de Direito aos 17 anos e aos 23 já estava formada e muito bem empregada em nosso escritório. Apesar da diferença de quase 20 anos e dos inúmeros alertas em relação a evitar envolvimentos com colegas de trabalho eu confesso que foi amor a primeira vista, eu queria muito ficar com ela.

Ela era uma mulher linda, com um porte muito elegante e seus longos cabelos negros, sua pele morena com lindos olhos castanhos me deixavam embriagado de paixão, sim mudei a palavra de amor para paixão pois somente muitos anos depois percebi que era exatamente esse o caso.

Sem grandes alongamentos nesta parte da história o que ocorreu foi exatamente o que estava nos meus planos, conheci Helena, saímos algumas vezes e enfim resolvemos viver juntos, parecia a coisa certa a se fazer na época, eu via na história dela de luta, estudos e batalha se formando tão cedo uma repetição de minha própria vida e isso me fazia sentir uma enorme empatia, uma atração gigantesca por aquela bela mulher.

Apesar dos 18 anos de diferença nos casamos, eu com 45 e ela com 27, foi uma cerimônia simples já que tanto eu quanto ela não tínhamos mais nossos pais vivos e nem parentes morando próximos.

Nossos primeiros anos foram relativamente tranquilos, a diferença de idade parecia não afetar em absolutamente nada nosso relacionamento, ela curtia suas festas, suas amigas e eu apenas respeitava , não desenvolvi de forma alguma uma personalidade ciumenta e controladora, eu confiava totalmente nela que apesar de tudo gostava muito mais de levar seu lado profissional a sério do que baladas ou encontros.

Tudo isso mudou quando cheguei aos 48 anos, já estava próximo de me tornar “cinquentão” e minha vida inteira foi de trabalho e juntar dinheiro, mas dinheiro para quê? Ele só tem um sentido se for utilizado para algo, eu me indagava enquanto lembrava de que sempre me preparei para fazer uma carreira sólida para posteriormente formar uma família, estava na hora de começar a pensar em pôr meus planos em prática.

Meu pai faleceu num acidente de trabalho quando eu tinha apenas 10 anos e fui criado com muito sacrificio por minha mãe, demorou quase uma década para que depois de muitas brigas e idas e vindas minha mãe ganhasse um justa indenização pela morte de meu pai e apesar de meus protestos contra ela fez questão de utilizar esse dinheiro para bancar meus estudos, lembro como ela ficou orgulhosa quando me formei e comecei a trabalhar e minha maior tristeza na vida foi não ter conseguido retribuir lhe dando a vida que merecia já que ela se foi pouco mais de um ano após minha formatura, lembro de ter ficado sem chão e se não fosse pelo meu padrasto ( a quem eu considerava um amigo de verdade e um segundo pai) eu teria largado tudo e ficado na pobreza.

Fiquei muito feliz de ao menos para ele ter conseguido retribuir o carinho e o amor que ele me deu na ausência de meu pai uma vez que lhe consegui financiar uma casinha onde ele pôde viver tranquilo e em paz até sua morte vários anos depois.

Mas voltando a questão de minha família, eu imaginava que o momento havia chegado, o de criar minha própria família, de expandir antes que fosse tarde demais, eu não era mais um garoto e afinal de contas meu primeiro objetivo que era o financeiro estava inteiramente garantido, agora eu queria ter um filho, um não, vários.

Qual foi a minha enorme surpresa quando descobri que Helena não estava tão animada quanto eu para isso, ela apesar de estar quase com 30 anos se considerava no auge da carreira e não queria de forma alguma brecar seu crescimento profissional com uma gravidez em com filhos. Foram meses de conversas, discussões e planejamentos até eu conseguir convencê-la, e a partir daí começamos as tentativas, para minha felicidade não demorou muito para que ela engravidasse, ficamos muito empolgados com a notícia, exatamente, “ficamos” pois a partir do momento em que ela se deu conta de que carregava uma vida dentro de si ela imediatamente mudou seu pensamento, ela amou e cuidou daquela gravidez com muita paciência e poucos meses depois tivemos a notícia de que seria um menino, a escolha do nome foi um caso à parte, brincavamos e riamos muito tentando escolher nomes que não permitissem que nosso filho sofresse bullyng no futuro, até chegarmos a conclusão de que era uma tarefa tanto quanto impossível então ela mesma escolheu, Eduardo como seu pai, eu não fiz objeções, só queria que fossemos uma família feliz.

Enfim nosso filho nasceu, perfeito, lindo e recebendo muito afeto e carinho, alguns tios e primos de longe até conseguiram vir para conhecer o novo integrante da família, estávamos todos muito bem.

Obviamente eu queria ser o melhor pai possível, como meu pai que se sacrificou tanto por nós e como meu padrasto que assumiu a função de meu segundo pai de todo coração, eu queria ser perfeito.

Mas como é de conhecimento da grande maioria das pessoas um filho tende a dar muito trabalho, exige muita dedicação e Helena acabou não conseguindo voltar a trabalhar no tempo que desejava , muitas vezes ocorriam brigas entre nós que antes eram tão raras e agora passaram a ser corriqueiras.

Com o crescimento de nosso Eduardo ela começou a conseguir voltar a trabalhar, mesmo que algumas horas em Home Office e conseguimos voltar a nos acertar, no aniversário de 4 anos de Eduardo já estava tudo de volta a normalidade, ainda havia amor e paixão entre nós que superava tudo, tanto que naquela noite após colocarmos nosso filho para dormir ela me surgiu com uma proposta.

Ricardo, o que você acha de termos outro filho? Helena perguntou enquanto vestia sua roupa de dormir.
O que você disse? Me sobressaltei- Meu amor, é sério isso?
Muito sério- ela disse me olhando profundamente nos olhos- Com o passar dos anos percebi que posso sim conciliar minha carreira com filhos e seria tão bom o Eduardo ter um irmãozinho, não acha? Ele mesmo me pediu outro dia.
Hmmm, e tem certeza que é isso mesmo o que você quer? Indaguei- não está apenas querendo realizar um desejo dele?
Pode ser, mas afinal de contas temos condições de criar dois filhos não é mesmo? Além do mais eu penso muito na nossa situação, nós dois sem irmãos, não quero isso para ele, quero que ele possa ter uma família grande com irmãos, sobrinhos, primos.
Calma aí querida- falei rindo- “irmãos” de quantos estamos falando?
Mais um, mais dois, mais três, o céu é o limite- ela me falou dando um beijo enquanto deitamos na cama.
Sua boba, olha que eu posso acabar topando ter um time de futebol de filhos- retribui o beijo.
Uma menina também seria muito bem vinda, não pensou nisso? Ela disse.
Claro meu amor, uma menina, dois meninos, quantos você quiser- falei já com um largo sorriso.

Mal dormimos naquela noite, ficamos fazendo planos e conversando a noite inteira, talvez tenhamos feito barulho até demais pois no meio da madrugada Eduardo aparece com carinha de choro pedindo para dormir conosco, eu não conseguia negar um pedido desses do meu bochechudo lindo, ainda mais logo depois do seu aniversário.

As semanas seguintes foram de muitos planos, conversas e visitas ao médico, eu estava muito contente de ver Helena com aquela energia toda de quando a conheci e totalmente focada em nossa família. Os meses se passaram com várias tentativas e nada, nem mesmo alarmes falsos, as visitas aos médicos antes rotinas despreocupadas passaram a ser corriqueiras e cheias de ansiedade. Infelizmente um dia chegamos ao triste diagnóstico, Helena devido a um cisto nos ovários não poderia mais engravidar com segurança, as chances seriam mínimas.

A partir daí nosso casamento entrou em crise total, ela evitava falar do assunto e voltou a se afundar no trabalho, eu como sempre fui uma pessoa muito contida não ligava para sua negligência, mas ela dar o mesmo para nosso filho era algo que me incomodava muito, chegou ao cúmulo do Eduardo fazer 5 anos e ela simplesmente esquecer, o que o deixou imensamente magoado e iniciou uma discussão gigantesca entre nós dois.

Eu não consigo acreditar que você simplesmente esqueceu o aniversário do Eduardo- Falei em tom severo.
Ah, pelo amor de Deus- ela falou alto como se tentando equiparar ao volume de minha voz. Ninguém percebeu que estou atolada em trabalho? E por que eu tenho que lembrar de tudo, fazer festa e todo o serviço? E você?
Imaginei que isso fosse papel seu- falei.
Não me venha com esse papo de papel masculino e papel feminino, comigo não cola, não era você que tinha o desejo de ser um grande “paizão”? Ela falou quase zombeteiramente.
Veja como fala comigo, não vou admitir esse baixo nível aqui em casa. Quase gritei.
Você está sendo é um grande hipocrita isso sim- ela falou exasperadamente.
Tente falar mais baixo, quer acordar o bairro todo? Eu disse.
Você quem começou- ela saiu da sala batendo o pé e se trancou em nosso quarto.

Desnecessário dizer que nesse dia dormi no sofá da sala, ou ao menos tentei dormir, quando estamos tranquilamente vendo TV o sofá é uma maravilha mas quando tentamos dormir nele ainda mais depois de uma briga ele pode ser bem desconfortável, acordei com uma terrível dor nas costas e com um carinha fofo puxando meu pé.

Acorda papai, acorda- ele me chamava- Por que você está dormindo aqui?
Bom dia meu querido- lhe dei um abraço- o papai ainda tá muito sonolento.
Você e a mamãe brigaram não foi? Ele falou triste ao pé do meu ouvido.

Vem cá meu filho- coloquei ele de frente para mim- Não vou mentir para você, até porque seria impossivel não ter ouvido, sim, nós tivemos uma discussão ontem a noite.
Foi por minha causa não foi? Eu não ligo de não ter festa de aniversário, só quero que o senhor e ela fiquem juntos.

Foi uma discussão boba- falei.
Não quero que vocês se separem- ele me olhou com carinha de choro.
Ei, que conversa é essa de separar? Onde você ainda ouvindo sobre essas coisas? Perguntei.
Ah pai, um monte de coleguinhas da escola tem pais separados, eles sempre falam como é ter pais separados, que tem duas casas, um padrasto e uma madrasta- ele me explicou.
Nem todos são iguais, foi só uma briguinha tola, nós vamos nos acertar, não precisa ficar pensando bobagens, essa cabecinha aí agora com 5 anos é muito pequenininha pra se preocupar com isso não é? Comecei a lhe fazer cócegas e lhe coloquei no meu colo. Vamos ver se a mamãe já tá fazendo o café? Tá sentindo esse cheirinho gostoso de pão quentinho? Vamos na cozinha, aí o papai e a mamãe podem fazer as pazes né?
Sim papai- ele me respondeu carinhosamente.

Chegamos na cozinha e Helena realmente estava fazendo um café bastante farto, senti de perto o cheiro dos pães tostados e dos ovos fresquinhos que ela colocava na mesa junto com algumas frutas.

Bom dia- falei na esperança de começar um diálogo.
Bom dia- ela respondeu asperamente.
O que é isso querida? Eu falei- vamos tentar nos entender.
Não vou discutir, não na frente de nosso filho, você sabe disso- ela respondeu.
Mamãe, perdoa o papai, ele tá arrependido- Eduardo falou com uma vozinha de derreter qualquer coração.
Oh meu amor- ela o abraçou -me perdoa por ter esquecido do seu aniversário.
Perdôo sim mamãe- ele falou docemente- Mas se eu posso perdoar a senhora então pode perdoar o papai também não é?
Afff- ela deu um longo suspiro.
Querida, deixe eu lhe falar- olhei em seus olhos- Deixe que eu peça desculpas primeiro, eu sei que me comportei errado, não devia ter levantado a voz.
Tudo bem- ela falou e segurou minha mão- No fundo eu fiquei furiosa porque sabia que você que tinha a razão e não queria admitir. Não tenho sido uma boa mãe ou esposa ultimamente.
Vamos botar uma pedra em cima disso tudo- lhe dei um beijo enquanto Eduardo comemorava ao lado.
ÊÊÊÊ…. mamãe e papai estão de bem de novo.

As semanas seguintes se passaram em relativa tranquilidade mas obviamente não consegui parar de pensar sobre as questões familiares, Helena passou a conciliar melhor o seu tempo, ao menos para dar atenção a nosso filho, para mim restava pouco de atenção mas eu não ligava para isso, enquanto estivesse tudo em paz eu estava satisfeito.

Comecei a pensar muito sobre a questão de ter um segundo filho, que alternativas poderíamos ter? Uma barriga de aluguel? Isso é tão complicado no Brasil, ou então poderíamos tentar no exterior, mas como fazer algo assim tendo um filho pequeno para cuidar e sem parentes próximos para auxiliar? Então um dia pesquisando na internet me deparei com o caso de pais que não podiam ter filhos e adotavam crianças.

Confesso que aquela foi a primeira vez que pensei no assunto, adoção é algo muito complexo, como pensar em criar uma criança que não é sua? Que riscos haveriam de acontecer? Eu estaria fazendo isso por caridade ou puro egoísmo por não poder mais ter meus próprios filhos? Eram perguntas demais, mas decidi que eu estava sim disposto a experimentar, contei tudo para Helena.

Inicialmente ela não teve o mesmo entusiasmo de antes, não gerar uma criança dentro de seu corpo? Parecia algo estranho para alguém que já havia vivido este processo, eu tentava não colocar juizo de valores, afinal de contas a experiência da gravidez era algo muito particular e que eu jamais teria. Mas por fim aos trancos e barrancos ela aceitou.

É necessário percorrer um longo caminho para a adoção em nosso país, eu sabia disso, nos afundamos num mar de burocracia mas superamos cada uma das etapas mesmo que com alguma dificuldade, até que chegamos as fases finais, mas quando vieram as explicações mais uma decepção: Mesmo sendo um casal com estabilidade financeira e tudo mais, adotar um bebê era algo muito difícil e demorado, as vezes anos se passavam sem que fosse possível conseguir explicava a assistente social.

Esta mesma assistente social nos apresentou uma alternativa, algo que eles chamam de “adoção tardia”, como o próprio nome já diz se trata de acolher crianças que já estão numa idade mais avançada e em geral há uma maior facilidade de adoção devido a menor procura de pessoas dispostas a recebê-las. Confesso que era algo muito triste de se imaginar, crianças antes rejeitadas por suas famílias agora são também rejeitadas por candidatos a pais por serem consideravas “velhas” demais.

Passamos uma enorme quantidade de tempo pensando e conversando sobre o assunto, Eduardo já fizera 6 anos a alguns meses, talvez um irmão com uma idade mais ou menos próxima a dele fosse uma alternativa interessante, eu pensava.

Resolvemos tentar encarar tudo na cara e coragem e apesar de estar saindo tudo relativamente bem eu não notava o quanto nos desgastava psicologicamente e o quando isso deteriorava mais e mais nosso relacionamento.

Sem perder tempo com extenuantes explicações sobre o assunto o que ocorreu a seguir foi uma grande surpresa e uma grande infelicidade que jamais vou me esquecer, Helena me chamou para conversar quando Eduardo estava na escola.

Ricardo, eu preciso lhe dizer… estou a meses sendo sondada para trabalhar no escritório X na cidade Y, a alguns dias atrás recebi uma resposta positiva.
O quê? Como Assim? Fiquei confuso- assim do nada? Que história é essa?
Não é do nada, já faz muito tempo que sabemos que não estamos bem, e eu decidi- ela falou com um olhar sério.
Decidiu o quê? Perguntei desconfiado.
Ricardo, eu vou embora, vou seguir minha carreira em outro lugar e sem você, eu e você vamos nos divorciar.
Divorciar??? Como assim??? Me sobressaltei- você está aqui agora me dizendo que a meses está tramando pelas minhas costas um novo emprego e agora isso?
Você sabe muito bem que nossa relação está ruim e não é de agora- ela falou num lamento.
Olha, vamos nos acalmar, está bem? Tentei respirar fundo- Você está sendo precipitada, impulsiva, temos nosso filho, e temos o processo de adoção, lembra? Se nos separarmos agora vai tudo por água abaixo, o assistente social vai nos esfolar vivos e voltamos a estaca zero.
Você acha que não pensei nisso? Ela falou- E você que agora só pensa nesse assunto e parece que esqueceu completamente de sua família que está aqui agora?
Você está me acusando de ser negligente depois de ter até esquecido o aniversário de seu próprio filho? Eu a acusei.
Está vendo só? Esse é um grande problema, esse seu rancor todo com as coisas, isso já faz tanto tempo, mas você sempre vai usar esse assunto quando lhe convêm e jogar na minha cara não é mesmo?
Calma, calma- tentei respirar de novo- Me desculpe, me desculpe, vamos colocar a cabeça no lugar e tentar resolver tudo com diálogo, numa boa.
A melhor forma de resolver isso numa boa é você não criar problemas para esse divórcio- ela falou.
Mas e o nosso filho? Você não pode tirá-lo de mim desse jeito- eu estava entrando em desespero.
Nunca vou deixar que seus direitos de pai fiquem de lado- ela falou- você pode visitá- lo sempre que quiser.
São mais de 600 km de distância- falei desesperado.
Eu sinto muito, eu já decidi e não tem mais volta- ela falou enxugando uma lágrima.

Decidi não arrastar mais ainda a discussão, aquilo me deixou sem chão, totalmente sem forças, eu estava arrassado, e agora o que seria de minha vida sem meu filho por perto todos os dias? Na minha cabeça havia a certeza que essa conversa de ir morar em outra cidade era apenas uma desculpa para se vingar tirando meu filho de mim, ao mesmo tempo eu como advogado sabia que era inútil tentar conseguir a guarda do menino, apenas haveria uma disputa judicial de um longo tempo com um resultado previsível, eu conhecia muito bem as qualidades do conhecimento jurídico daquela mulher.

Como imaginado o processo de divórcio foi rápido, ela fez pouquíssimas exigências frente a facilidade que eu também dei, de nada adiantava brigar agora.

Consegui passar um último mês sozinho com meu filho quando ela viajou para a nova cidade com a finalidade de acertar a burocracia do novo emprego e arrumar toda a questão de uma nova casa, tentei aproveitar ao máximo, tirei o mês de férias para dedicar exclusivamente a mim e Eduardo.

Foram dias maravilhosos, brincamos muito, saímos juntos para shopping, cinema, fiz tudo o que um pai sonha em fazer na companhia de seu filho, visitamos zoologico, parque de diversão e comemos todas as besteiras doces da cidade, eu olhava para o rostinho dele de felicidade e meu coração se contorcia de dor ao pensar que tudo aquilo logo acabaria.

Pai, por que você está tão triste? Ele me perguntou nos últimos dias antes do retorno de Helena.
Não é nada meu filho, não estou triste- eu menti-
Papai, eu não quero ir para longe de você- ele me abraçou.
Oh, meu filho- eu solucei com lágrimas nos olhos enquanto o abraçava- eu sempre vou amar você- mesmo que eu e sua mãe não estejamos juntos.
Faz as pazes com ela papai- ele disse.
Meu filho… me lamentei- como eu gostaria que fosse tão simples assim. Olha, eu sei que é difícil mas nos temos que ser fortes, ela é sua mãe também, ela vai sempre estar ao seu lado e te amar.

Eu me sentia um grande idiota, era a chance perfeita de falar mal de Helena de fazer a cabeça do menino contra a mãe mas não, lá estava eu falando bem dela, mas aquilo não me parecia correto, eu sabia que uma alienação parental só faria o meu filho sofrer mais ainda.

O grande dia chegou, meu filho de malas prontas estava indo embora com a mãe para outra cidade, muito choro e lágrimas aconteceram, prometi que iria visitá-lo nas férias e combinamos mil coisas, até prometi lhe comprar um Notebook para que pudessemos nos ver ao menos pela internet, chegou a hora de ir.

Sinto muito, eu realmente pensei que poderia ser diferente- Helena disse me estendendo a mão.
Eu imagino- respondi com voz rancorosa.
Não precisa terminar assim, sinto muito pelo quanto magoei você- ela lamentou.
Não sinta, eu só posso lhe desejar toda a felicidade do mundo… pelo nosso filho, mas eu nunca vou conseguir perdoar você por levá-lo para longe de mim.

Talvez entendendo o recado de minha crueldade nas palavras ela nada mais disse, apenas se virou e pegou suas malas e as de Eduardo que agora me dava um último e apertado abraço entre mais lágrimas.

O cenário das semanas posteriores era deprimente, eu um velho de quase 56 anos sozinho numa apartamento imenso( como eu disse ela não fez grandes exigências no divórcio) sem saber que rumo deveria tomar em minha vida, eu não sentia vontade de me enterrar no trabalho, eu estava enjoado, exausto de tanto que trabalhei a minha vida inteira, e para quê? Eu era um homem de meia idade que não passava de um maldito acumulador de dinheiro que não parecia servir para nada naquele momento.

Passado quase um mês em minha melancolia recebi um telefonema que iria mudar novamente minha vida e me dar um novo rumo, era o assistente social.

Alô, bom dia eu falo com o Senhor Ricardo? Perguntou.
Bom dia, sim sou eu mesmo- respondi desanimadamente, quem fala?
Aqui quem fala é o Eduardo, o assistente social que atendeu o Senhor e sua esposa.
Ah, sim claro, eu me lembro- falei mais desanimadamente ao lembrar do assistente social que tinha justamente o mesmo nome de meu filho, como se eu estivesse mesmo precisando disso naquela hora.
Pois então Senhor Ricardo, há uma criança que gostaríamos muito que o Senhor e sua esposa conhecessem.

Mas que porcaria, eu pensei, estava óbvio que alguém não fez o serviço direito e esse assistente social não faz nem ideia de que eu e Helena não formamos mais um casal, lamentavelmente tive que explicar toda a situação.

Poxa Senhor Ricardo, eu sinto muito mesmo por tudo isso, peço muitas desculpas mas a documentação sobre seu divórcio não chegou até mim.
Também sinto muito, imagino que isso vá brecar todo o processo que tivemos até agora e voltamos à estaca zero- suspirei.
Bem… não necessariamente, há pais e mães solteiros que também adotam, não é muito comum mas posso tentar dar um jeito de regulamentar sua situação, se o Senhor ainda estiver disposto, claro. Essa criança disponível precisa muito de um lar.
Pode me falar mais sobre essa criança? Subitamente meu interesse despertou.
Se trata de um menino de 8 anos, ele vive no abrigo desde os 5 anos, os pais eram dependentes de drogas e acabaram morrendo numa ação da polícia, ele não possui nenhum outro parente, ao menos não foi possível localizar até hoje.
E o Senhor tem certeza que eu tenho alguma chance? Perguntei.
Veja bem Ricardo, que fique apenas entre nós, em situações como a dessa criança que já está numa idade considerada bem elevada para a média dos pedidos de adoção em geral costuma-se fazer vista grossa ou até mesmo pular algumas etapas do processo caso se comprove que o adotante tem condições reais de dar um bom lar para o garoto.
Tudo bem, eu concordo- falei no impulso.
Então mais tarde lhe mandarei os detalhes sobre o dia do encontro- ele falou e se despediu de mim.

Algumas horas depois recebi sua mensagem, estava marcado para daqui a três dias no abrigo de crianças da cidade vizinha, fiquei animado e ao mesmo tempo preocupado, estaria eu sendo precipitado? Agora havia apenas eu, seria justo eu não oferecer uma mãe para essa criança? Ou estaria eu sendo profundamente egoísta e querendo essa adoção apenas para preencher o vazio que a falta de meu filho causava?

Decidi arriscar, o que haveria a perder fazendo uma visita? Não era como se a adoção já fosse consumada, aprendi durante os cursos que fizemos no processo que algumas crianças podem ser bem difíceis, desafiadoras, é necessário uma grande quantidade de tempo para adquirir sua confiança, superar seus possíveis traumas e enfim, era necessário ser aceito pela criança.

A ansiedade faz com que o tempo passe terrivelmente devagar, isso é um fato, os três dias passaram tão lentos quanto uma tartaruga, mas finalmente o grande dia chegou, estacionei meu carro em frente ao abrigo e fui ao encontro do Assistente Social que já me esperava na porta.

Boa tarde Ricardo- ele me saudou- Antes que eu me esqueça já revisei toda sua documentação, então o Senhor não precisa se preocupar com mais nada, estamos dando um jeitinho.

“Jeitinho”? Eu me interroguei. Então é mais ou menos assim mesmo que funciona, tudo com o bom e velho jeitinho brasileiro, quantas adoções irregulares já não devem ter acontecido? Eu pensava. Mas pro inferno com tudo isso, o que importa era conseguir dar amor e carinho para a criança e principalmente condições de vida melhores que as desse lugar, já me sentia incomodado com a aparência externa, um lugar feio e mal conservado, obviamente dinheiro do governo não entrava ali, em geral esses abrigos vivem mais de doações do que de qualquer outra coisa.

Sem mais demora Eduardo me levou até a sala da diretora do local que me apresentou todas as instalações que por dentro estavam até mais bem conservadas do que a fachada do lado de fora. Sem mais delongas fomos até os fundos do local onde havia um parquinho com alguns brinquedos para as crianças, haviam outros adultos observando e as crianças estavam todas bem vestidas como se fosse um dia de festa.

Apesar de parecer um dia de festa logo me dei conta da crueldade implicita no momento, eram vários adultos, alguns casais e outros assistentes sociais, todos observando seus futuros filho sem potencial enquanto as crianças provavelmente orientadas pelos funcionários se vestiam com as melhores roupas para ficarem posando como mercadorias em uma vitrine para atrair a atenção das pessoas ali presentes na esperança de serem levadas dali para uma família, dava pra notar no rosto de cada uma delas a carência, por um segundo me senti mal com tudo aquilo, tive vontade de pedir para sair e quase o fiz, mas Eduardo interrompeu meus pensamentos me apontando para os balanços.

Ali está vendo sentado no balanço? Ele me indicou- Aquele ali é o Rafael, ele tem 8 anos e já vive aqui no abrigo a alguns anos, acho que já falei para o Senhor não é mesmo?
Falou sim, eu só ainda não sabia o nome, parece ser um menino muito bom- respondi já encantado.

De fato, Rafael era um menino encantador, tinha a pele morena quase da cor de café e cabelos lisos mas ondulados nas pontinhas, da distância onde eu estava ainda não conseguia ver a cor dos seus olhos ou detalhes de seu rosto mas o fato de estar brincando sozinho no balanço já era indicador de alguma coisa.

Ele não brinca com as outras crianças? Perguntei.
Ele é um menino bastante tímido e retraído, assim como muitos aqui a história passada dele não é das melhores- falou Eduardo.
Eu entendo, mas ele já saiu alguma vez do abrigo? Perguntei curioso por saber atraves dos cursos que essas coisas são muito comuns.
Pois então, já houveram pessoas interessadas nele, mas sempre preferiram outras crianças mais extrovertidas, se o Senhor me entende. Ele é muito calado e carente, não gosta de incomodar os outros e imagino que tem a ver com seu passado.
E você acha mesmo que eu tenho alguma chance desse menino me aceitar como seu pai? Suspirei.
Isso só depende de você- o Senhor continua com acompanhamento com o Psicologo? Perguntou.
Confesso que deixei de ir depois do divórcio- falei um tanto relutante.
Bem, eu recomendo que o Senhor volte a frequentar, vai ser bom para você e vai ser bom para o desenvolvimento do processo de aproximação entre ambos.
Estou de acordo, agora que conheci o menino prometo que vou me empenhar ao máximo- tentei esboçar um sorriso.
Conheceu só de vista, o que acha de agora tentar se aproximar? O Senhor foi orientado quanto a isso não é? Eu ficarei aqui esperando, pode dar uma volta por aí e vai devagarinho se aproximando dele.

Nem preciso dizer que todos os cursos e orientações se tornaram inúteis naquele momento, eu sentia quase a mesma coisa de quando se sente o popular “branco” em dia de uma prova da escola, eu estava um tanto quanto nervoso, tentei lembrar das formas como eu falava com meu filho.

Andei um pouco pelo local cumprimentando as pessoas e algumas crianças sempre com um sorriso, fui me aproximando do local onde Rafael estava e aproveitando um momento em que ele saiu do balanço e sentou um banco cheguei ao seu lado e sentei discretamente.

Oi, como vai- falei na esperança de começar um diálogo.
Oi- ele respondeu baixinho.
Cansou de brincar no balanço? Perguntei.
Fiquei um pouco cansado e vim me sentar- ele disse.
Ah, sim, meu nome é Ricardo, e o seu? Fingi não saber seu nome.
Meu nome é Rafael- ele respondeu um tanto quanto impressionado ao notar meu interesse. Por que você veio aqui falar comigo?
Que nome bonito o seu- tentei ser amistoso- Rafael, notei que você estava aqui sozinho, bem eu também estou sozinho então achei que podia bater um papo- sorri, ele parecia bem menos tímido do que haviam me contado.
Prefiro ficar sozinho e não incomodar os outros, eu odeio o dia de “feira”.
Dia de feira? Perguntei curioso- Que eu saiba não tem nenhuma feira aqui por perto hoje.
Tem sim, e você está nela- ele falou meio sarcastico.
Desculpa Rafael, acho que ainda não entendi- olhei em seus olhos.
É só olhar ao redor, todas as crianças alegres e bem vestidas enquanto os adultos vem nos ver, eles são os clientes e nos as mercadorias.

Me assustei bastante com a forma que o menino falava havia um certo cinismo e sarcasmo em suas palavras incomuns a uma criança de sua idade, mas talvez compatíveis com alguém que já vivenciou tanta dor e sofrimento.

Você não acha que está sendo muito pessimista? Perguntei enquanto tocava em sua pequena mão para tentar ver a sua reação.

Contrariamente ao que eu imaginava ele não impediu em momento algum que eu o tocasse, ficou alguns segundos olhando para nossas mãos juntas e depois me olhou fixamente nos olhos.

Tio, o que é “pessimista”? Ele perguntou curioso.
Hahaha, me desculpe, acho que estou falando muito difícil não é? Pessimista é quando alguém só vê um lado das coisas o lado ruim, mas tudo tem um lado bom e ruim sabia?
É mesmo? E qual o lado bom de morar num lugar desses? Ele se encolheu todo num canto retirando sua mão da minha.
Eu… eu não sei… mas veja… estou gostando de conversar com você, parece um menino tão esperto, se você não estivesse aqui hoje eu não teria te conhecido.
Tio, posso pedir uma coisa? Ele disse se voltando a mim.
Claro, se eu puder fazer eu vou fazer- respondi o mais suavemente possível.
Me leva embora daqui? Ele falou com um olhar penetrante.

Ok, ok, aquilo me pegou totalmente de surpresa, não que fosse uma aceitação mas com certeza era quase um pedido de socorro, uma criança tão desamparada que aparentemente faria de tudo para ter uma vida melhor fora daquele abrigo.

Olha Rafa… Falei carinhoso- isso é algo que eu quero de verdade mas veja… não quero que você nem ninguém pense que eu vim aqui atrás de uma mercadoria numa feira, eu entendo que existem pessoas que fazem coisas ruins, mas também tem muita gente boa aí fora.
Olha tio, eu juro que não dou muito trabalho, eu fico sempre no meu cantinho, não dou um pio, e também eu nem como muito, o que me derem eu aceito, como de tudo, fruta, verdura, não tenho frescuras não.
Não precisa dizer isso, não vou jamais pedir perfeição de você nem de ninguém, mas tem muitas coisas que precisamos conversar primeiro.
Tipo o quê? Ele perguntou com uma lágrima escorrendo que quase partiu meu coração em dois.
Tipo que a gente precisa conversar mais, se conhecer, você precisa decidir se realmente eu sou a pessoa que você quer- falei.
O Senhor é casado? Ele perguntou como se já quisesse apressar as coisas e me conhecer logo.
Bem, eu já fui casado- respondi- mas agora não sou mais.
Vejo que estão conversando bem- a diretora se aproximou junto com Eduardo nos cumprimentando.
Ah sim, esse menino é muito inteligente viu? Elogiei fazendo um carinho em seu cabelo.
Rafa, vai brincar um pouquinho ali no parque- ela apontou- agora preciso conversar com o Tio um pouquinho, tá bom.
Sim Senhora – ele respondeu me surpreendendo com sua educação.
Ei, toca aqui- estendi a mão com um sorriso para ele bater.
Gostei de te conhecer- ele disse batendo em minha mão e indo em direção ao parque.
É um menino muito bonzinho e educado- me voltei para a diretora.
É sim, mas não se engane- falou num tom sério- é muito comum as crianças serem educadas e cheias de elogios quando tem visitas, eles sabem exatamente como se comportar nesse momento.

Fiquei um tanto quanto incomodado com o cinismo da diretora, mas no fundo sabia que ela tinha uma certa razão, essas crianças tão carentes apesar de tudo não eram nem um pouco burras e fariam qualquer coisa para dar no pé do abrigo para uma família, seja como ela fosse.

Voltamos a sala da diretora e conversamos um pouco mais, ficou acertado que eu faria mais uma ou duas visitas ao abrigo nas próximas semanas e se tudo desse certo entre mim e o Rafael ele poderia passar um fim de semana comigo.

Os dias seguintes passaram depressa, não vou ser hipocrita e negar para ninguém, o “jeitinho” citado pelo assistente social envolvia liberar algumas quantias de dinheiro para as pessoas certas, tudo para “apressar” um pouco o processo ele dizia.

De minha parte eu não sentia que isso fosse um grande problema, o que importava no final das contas eram os resultados, eu daria amor e carinho sinceros para aquele menino, eu me encantei desde a primeira vez que o vi, foi uma espécie de amor à primeira vista e eu não conseguia esquecer de suas palavras: “tio me leva embora daqui”.

Dinheiro também era o menor dos problemas, passei minha vida inteira trabalhando e ganhando boas quantias de capital que eu soube colocar em diversos investimentos que só o fizeram aumentar, mesmo após o divórcio Helena foi bastante orgulhosa e não quis grandes coisas, apenas a pensão justa para nosso filho Eduardo, afinal de contas ela também tinha o seu emprego e ganhava muito bem.

Com toda essa história de adoção eu inclusive estava já pensando seriamente em me aposentar, além dos investimentos que falei anteriormente eu ainda possuia um aporte de 10% do escritório, economicamente eu já poderia me considerar resolvido e seria muito bom ter tempo livre para cuidar de uma criança.

Chegou o dia do segundo encontro, não poderia ainda sair com ele do abrigo mas passaria um tempinho a mais com ele, na verdade da vez anterior eu mal consegui me despedir dele, apenas um rápido tchau.

Tio, o Senhor voltou- ele falou espantado quando me viu
Claro que eu voltei- sorri para ele- e eu trouxe uma coisa para você.
Jura? O que é? O que é? Ele se entusiasmou.
Você gosta de jogar bola? Perguntei.
Gosto sim tio, gosto muito- ele disse já se agarrando em meu braço.
Venha comigo até meu carro, está lá fora- falei- já pedi permissão para a diretora.

Fomo até o estacionamento do local, pedi para que ele me esperasse e abri o porta malas do carro tirando uma sacola com os presentes que havia comprado no dia anterior.

Uau tio, que carrão lindo você tem… quer dizer…o Senhor tem- ele se corrigiu encabulado.
Vem cá Rafa, posso te chamar de Rafa não posso? Chamei ele pra perto. Quero muito ser seu amigo viu? Já vi que você é um menino muito educado, pode me chamar apenas pelo nome se você quiser, Ricardo, você lembra não é?
Tá bom Ricardo, nossa esse pacote enorme é todo pra mim? Ele disse empolgado enquanto eu lhe dava a sacola.
Sim, veja, é uma bola de futebol- apontei.
Que bola maravilhosa- seus olhos brilhavam- Você pode jogar comigo?
Claro que posso, mas calma aí, ainda falta uma coisinha, olhe isso aqui- coloquei as mãos na sacola e tirei um par de chuteiras azul claro.

A reação dele foi primeiro enorme empolgação, seus olhos quase saltaram e logo vi ficarem marejados, ele veio e me deu um abraço muito apertado, ao mesmo tempo um abraço gostoso e um abraço muito triste, ele agora chorava copiosamente quase se tremendo em meio aos soluços, demorou alguns bons segundos para conseguir falar novamente.

Muito obrigado tio, muito obrigado- ele ainda soluçava- nunca ninguém me deu um presente tão lindo assim.
Cuide muito bem delas tá bom? Eu falei enxugando suas lágrimas, quero que a gente possa jogar muitas vezes juntos.

Nos divertimos muito juntos naquela tarde, improvisamos uma trave com algumas pedras e ficamos tocando bola juntos, e não é que o menino era bom? Ele corria rápido de um lado para o outro com a bola quase grudada em seus pés, lembro de ter levado uns bons 3 ou 4 dribles e pelo menos uma bola por entre as pernas, no final do dia até atraímos algumas outras crianças e formamos um time para jogar.

Foi notável a mudança que as outras crianças tiveram em relação ao Rafael, agora brincavam juntos e conversavam, alguns pareciam até mesmo cumprimentá-lo, achei meio esquisito tudo aquilo, apenas depois de conversar com o assistente social e a diretora entendi o que acontecia, as outras crianças percebendo o quanto o Rafael havia “conquistado a visita” o cumprimentavam pela sorte que ele estava tendo pois havia a grande possibilidade de ser adotado.

Sai naquele dia satisfeito de ter podido dar um pouco de alegria não apenas para o Rafael mas para todas as crianças com que brincamos, vou tentar comprar alguns brinquedos para elas e conversar com a diretora sobre a possibilidade de presenteá-los.

Deitei naquela noite sozinho em minha cama perdido em pensamentos sobre o dia, ao lembrar das crianças do abrigo acabei lembrando também de meu filho Eduardo, pensei em como seria agora, tudo estava dando super certo em relação a adoção e logo ele teria um irmãozinho, eu me lamentava muito por não ter a chance de prepará-lo adequadamente já que ele estava longe de meu dia a dia.
E eu? O que eu estava fazendo? Será que eu estava traindo o meu filho? Ou mesmo tentando buscar um substituto para ele, estava eu buscando um “novo” filho para tapar o buraco que a falta do meu filho fez em meu coração?

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3 Comentários

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  • Responder Paulo cesar fã boy ID:7121w172d3

    Que história. Que perfeição.

  • Responder Luiz ID:3v6otnnr6ic

    ainda nao entendi onde vai chegar, sera que um caso de incesto?

  • Responder Lancer ID:1d4tbi0aa40t

    Ansioso pra saber onde vai dar. Muito promissor