Amores Opostos Parte 4

Eu estava prostrado no meu lugar devido ao espanto, na minha frente estava o André, o mesmo André que deu tanto o que falar a semana toda, que resolveu todas as questões e exercícios num piscar de olhos, e o mesmo que tinha esnobado várias vezes minhas tentativa de aproximação. Lá estava ele, com seus cabelos muito bem penteados para o lado, vestindo uma calça marrom e um blazer azul com uma camisa branca por baixo, bem simples mas muto bem arrumado, seu rosto fino estava bem realçado com um óculos arredondado que o deixava muito bonito.

Ei, caramba, eu acabei mesmo de pensar isso? Eu achei que aqueles óculos deixavam o garoto bonito? Quer dizer…até deixavam, mas era um garoto né? E Além de ser mais novo do que eu ele era um menino, sei lá, meninos podem gostar de meninos? Eu sei que podem, mas não é o meu caso, tenho certeza absoluta disso. Não, eu juro que não sou preconceituoso, isso é errado, droga, porque eu tô pensando em tudo isso. Repentinamente ele mesmo quebrou aquele desagradável silêncio.

Vai só ficar me olhando com cara de bobo ou vai me cumprimentar? Perguntou sarcástico.
Eu não sabia que você usava óculos- ficou bem em você.
Obrigado- ele disse enquanto apertava minha mão e depois cumprimentava o Gugu.
Eu pensei que você nãi gostava de cumprimentar ou apertar as mãos das pessoas, você é aquele mesmo André de hoje de manhã lá da escola.
Larga de ser besta, claro que sou eu, e você é o Miguel não é?
E ainda por cima você lembra do meu nome, tá parecendo outra pessoa sabia?
Querido, porque você não mostra seu quarto para os meninos? Disse a mãe dele enquanto voltava em nossa direção- o jantar vai demorar uma meia hora para ser servido.
Tudo bem, ele respondeu em tom seco.
Nossa, ele falava desse mesmo jeito sério e sem emoção com a mãe dele- pensei.

Logo subi eu e ele para o quarto no andar de cima, apesar da insistência o Gugu ficou agarrado com a mamãe e não quis ir junto, ele tava meio mole hoje, até pareceu um pouquinho quente, daqui a pouco vou ter que verificar se não tá com febre.

Entramos no quarto do André e ele era grande, mas tipo bem grande mesmo, até parecia que eram dois quartos que transformaram em um só. No canto direito não poderia mesmo faltar, havia uma grande estante cheia de livros, bem ao lado de sua cama, imagino que ele só estica o braço e lê aqueles livros enquanto está deitado na cama. As paredes eram todas forradas com um papel de parede meio azulado e com um certo brilho, era bem cuidado, no outro canto uma escrivaninha com um notebook em cima e mais alguns livros e algumas prateleiras com mais livros ainda na parte de cima e um porta retratos, completando havia uma poltrona e um guarda roupas branco com 2 portas e várias gavetas espalhadas, não pude deixar de notar que não havia nenhum jogo ou revista ou mesmo brinquedo.

Poxa, muito maneiro o seu quarto André, é enorme tem bastante espaço mesmo aqui.
Ah, valeu, é que eu gosto de ter bastante espaço, as vezes eu me sento na poltrona pra ler, ou mexo no computador, mas uso mais pra estudar mesmo.
Só falta uma TV mesmo, você não tem? Perguntei.
Não gosto de ver TV, só passa noticia ruim o tempo todo, prefiro me informar pela internet. Mas então, fica a vontade aí, se quiser olhar algum livro aí, vou ligar aqui o computador pra gente ver alguma coisa.

Eu estava totalmente confuso e desnorteado, pareceia que tinham dado um nó na minha cabeça, aquele mesmo menino arrogante e mal educado tava sendo super legal e atencioso comigo, era mesmo ele ou havia sido trocado por um alienigena? Parecia uma pessoa completamente diferente daquele garoto da escola.

Valeu- falei enquanto folheava um livro de sua estante- Você é muito inteligente sabia? Tá todo mundo na escola espantado com você.
É mesmo? Obrigado pelo elogio, eu acho.
Ei André, me fala uma coisa, eu tô meio confuso aqui agora eu disse.
Confuso com o quê?
Como assim o quê? Você tá aí sendo todo educado e gentil comigo, hoje de manhã você quase e escorraçou. Sem contar aquele seu primeiro dia que você foi bem grosseiro com um monte de gente.
Aqueles professores são uns burros, é muito lógico que eles não sabem ensinar porcaria nenhuma.
Ahhh- aí está o André que eu conheci na escola.
O que você quer dizer? Foi uma piada? Porque se foi eu detesto piadinhas.
Desculpa, mas você não pode negar que tá se comportando beeeem diferente.
Vocês são visita na minha casa, devemos tratar bem as visitas, não é assim que a convenção social diz que deve ser? Ele respondeu.
Caramba, é uma resposta bem prática mesmo, mas não tem nenhum outro motivo não? Sei lá, a gente não devia mostrar empatia com as outras pessoas e tal?
O que é empatia? Ele perguntou.
Eu esperava que alguem tão inteligente como você soubesse, é aquela capacidade de entender o outro, de se colocar no lugar do outro e de como ele se sente.
Uau, depois eu que sou o espertalhão, e você é quem? Meu terapeuta. Falou zombeteiramente.
Lá vem você de novo com isso, você parece que não se importa com o que os outros sente, mesmo que se sintam mal por sua causa, caso não saiba muita gente ficou irritada com você naquele dia.
Tá falando daquele seu amiguinho brigão? Coitado dele, se acha que tudo se resolve com violência ele vai ter um belo futuro como atendente de lanchonete.
Então o seu joguinho é esse? Irritar e xingar as pessoas para que se afastem de você. Como você é óbvio viu?
E se for? Qual o problema? Ele me encarou irritado.
Não vai funcionar comigo- dei um sorriso e um tapinha em suas costas, aposto que um dia vamos ser amigos.

Ponto pra mim, pensei, consegui deixar o moleque sem palavras, de queixo caído lá na minha frente sem saber o que dizer, era tudo uma questão de prática, era exatamente igualzinho eu e o Gugu quando ele tem os ataques de criança dele, não adianta enfrentar, bater de frente, só piora as coisas. Caminhei até a porta do quarto e o chamei.

Vamos descer, acho que logo logo vão nos chamar não é? Não vai ser muito educado se eu descer na frente do dono da casa- dei mais um sorriso.
Me… me respondeu uma coisa- ele disse se voltando pra mim.
Pode falar- eu disse.
Por que você não revidou quando eu joguei água na sua cara? E depois disso ainda mentiu pra me ajudar.
Não é porque você não quer ser amigo que eu vá ter satisfação em ser inimigo.

Sem dizer mais nada ele se pôs na minha frente e descemos juntos pela escada. No centro da sala meus pais já estavam sentados à mesa junto com a mãe de André enquanto uma Senhora arrumava a mesa. Chamei o Gugu que estava sentado no sofá bastante entediado.

Vem Gugu, vamos sentar ali na mesa- peguei ele no colo- Nossa você tá mesmo meio quente.

Sentamos todos à mesa, era bastante formal, com a mãe do André sentada na cabeceira e meus pais sentados frente a frente um de cada lado da mesa, o Gugu logo sentou ao lado da mamãe, a mim só restou sentar do outro lado junto com o André, que deu um suspiro e fez cara de desânimo. Sua mãe percebeu e ouvi ela sussurrar em seu ouvido enquanto se levantava para verificar a cozinha.

Trate de se comportar e seja educado com as visitas- ela disse.

Só vi ele fazer uma cara feia mas acenar positivamente, será que realmente toda aquela educação dele de agora a pouco foi só forçada pelas ordem da mãe?

Logo o jantar foi servido, muita comida gostosa, vários tipos de saladas, com maioneses, saladas frescas, de um lado vários cortes de carnes, costelas , arroz, macarronada, meu Deus quantas pessoas será que a mãe do André pensou que vinham hoje? Tinha comida pra um batalhão ali. O garçom veio trazendo várias jarras de sucos de frutas e nos serviu, momento ao qual a mãe de André tomou a palavra.

Muito bem, primeiro quero fazer um brinde agradecendo a presença de vocês em nossa casa, e também claro um brinde mais do que especial para o nosso novo Juiz Dr. Roberto- trocaram um sorriso- e Principalmente um brinde ao retorno de uma antiga amizade, que ela possa ser novamente cultivava, não apenas com as lembranças do passado, mas também com tudo aquilo que teremos no futuro, um brinde- e todos batemos os copos brindando, quer dizer…todos exceto o André, que estava com um jeito bastante entediado sentado à mesa.

– Bem, o que posso dizer? Apenas meu muito obrigado- disse meu pai- você que se deu a tanto trabalho e dedicação por esse jantar para mim e minha família, agradeço do fundo do coração- um segundo brinde- dessa vez André meio a contragosto levantou o copo e brindou, claro que no primeiro brinde eu notei uma olhada bastante feia de sua mãe para ele.

O restante do tempo todos nos servimos e jantamos, a comida realmente estava de cair o queixo, nunca comi tanto e tanta coisa gostosa numa mesma refeição, o Gugu continuava meio enjoado pra comer e apesar de eu ter avisado minha mãe sobre ele estar quente isso pouco efeito fez para que tivessemos alguma pressa, eles conversavam e conversavam, sobre quando estudaram juntos, os professores da faculdade, as coisas que faziam na época, toda aquela velha conversa de amigos antigos se reencontrando, será que um dia eu vou ser assim também? Eu pensava.

Ao terminar o jantar fomos até a sala de estar e sentamos novamente nos sofás onde foi servido café para os adultos, para nós nos foi oferecido sobremesa, sorvete e pudim, e as conversas continuaram.

Miguel não é mesmo? Ela apontou para mim- Sua mãe disse que você estuda no colégio Santa Clara, é o mesmo lugar onde o André estuda, em que ano você está?
Estou no 1º Ano do Ensino Médio- respondi.
Então você estuda junto com o André? Que coincidência maravilhosa, e ainda não sabiamos disso.
Sim, é que começamos essa semana- falei.
Bem, eu entendo, esse rapaz aqui não é muito de conversar, você já deve ter notado não é mesmo?
Bem…sim, quer dizer…mas ele é muito inteligente, todos ficaram impressionados, ele está bastante adiantado.
Sim, está mesmo, deveria estar no 6º ano do fundamental ainda pela idade, mas esse menino me insistiu tanto que eu usei todos os recursos que eu poderia para que a escola o aceitasse num nivel mais alto.
Mãe… André chamou com uma cara de incomodado.
Isso não é segredo para ninguém, na verdade é até um elogio- ela disse em tom provocativo.
Mas é verdade mesmo que o André é um aluno tão inteligente assim? Que maravilha- falou minha mãe tentando cortar a tensão que pareceu começar.
Sim, ele estuda muito, todos os dias praticamente está lendo.
Que bom- disse meu pai- você deve estar muito orgulhosa de seu filho, parabéns.
Sim, com certeza, tivemos anos dificeis, eu sei que o André ainda tem algumas dificuldades de se adaptar, ele sempre vai ser o mais jovem da classe e eu espero realmente que ele possa crescer e ter mais maturidade para suportar toda cobrança que a vida exige.
Eu já conversei um pouquinho com o André na escola, ele não é muito de falar mas eu espero poder ajudar um pouco ele a se enturmar. Notei que André resmungou alguma coisa mas não consegui ouvir.
Isso é muito bom, ele não é muito de fazer amigos espero que você possa ser um primeiro.
E ninguém pergunta minha opinião- resmungou novamente dessa vez em alto e bom tom.
Tente ser um pouco mais educado, por gentileza- disse sua mãe agora num tom bem severo e levantando a voz.
Por favor, vou pedir desculpas pelo comportamento desse menino- ela falou em direção aos meus pais- Tem sido bem difícil pra ele desde que o Bruno se foi.
Quem é Bruno? Perguntei sem pensar.
Não é da sua conta- André gritou- Mãe, não precisa contar toda a minha vida pra eles.
Escute aqui André, eu não admito que você venha com suas grosserias com nossas visitas.
SUAS visitas, eu não convidei ninguém pra vir em casa, eu tentei , me esforcei pra ser educado e gentil como você pediu mas agora já tá bom disso, eu não quero que a senhora fique arrumando amiguinhos pra mim, tô muito bem do jeito que eu estou.
André, quando é que você vai entender? Você por acaso acha que ficar sozinho vai trazer o Bruno de volta?

André não falou mais nada, apenas se levantou totalmente irado e subiu as escadas até seu quarto, apenas ouvimos ele bater bem forte a porta.
Voltando a sentar na poltrona a mãe de André se lamentava enquanto pedia desculpas várias vezes para meus pais.

Roberto, Carina, por favor perdoem a mim e ao André, ninguém agora está mais envergonhada do que eu, sinto muito por tudo isso.
Não fique assim querida- disse minha mãe- não brindamos a nossa amizade? Amigos devem apoiar uns aos outros não é mesmo, entendemos como deve ter sido difícil passar por tantas perdas.
Quando o meu segundo marido, o pai do André faleceu ele tinha menos de 1 ano, ele pouco se lembra do pai, mas o Bruno, ah o Bruno, ele já tinha 15 anos, você me lembra um pouco ele nessa época Miguel.
Então ele era bem mais velho que o André? Perguntei.
Sim, acontece que por não ter conhecido o pai na cabeça do André o Bruno sempre foi o irmão e o pai que ele nunca teve, quando ele tinha quase 7 anos aconteceu aquele acidente, aquele terrível acidente de carro com eles dois- começou a chorar.
Tudo bem, não precisa falar se não quiser, respire um pouco- minha mãe ofereceu um copo de água que a moça da cozinha tinha ido pegar.
Eu não consigo imaginar o que ele passou, sabe? Ele ficou horas preso dentro do carro enquanto…enquanto o irmão estava morrendo ao seu lado, meu Deus…eu ainda não consigo mensurar o tamanho da agonia que ele deve ter passado.
Lamentamos muito- disse meu pai- ninguém deveria ser obrigado a passar por isso tudo.
Vocês devem achar que eu sou extremamente tolerante e faço todas as vontades dele, devo admitir que sim, mas é que quando penso em tudo o que ele passou, em como isso traumatizou ele, eu não consigo ser dura o suficiente quando necessário. Ele tem essas alterações de humor o tempo inteiro, na maioria das vezes ele é calado, não dirige uma palavra com ninguém, mas também muitas vezes é rude e nunca expressa preocupação com os outros por motivo algum.
Se a Senhora permitir eu posso tentar conversar com ele- eu disse.
Oh querido, você faria mesmo isso? Ela falou enxugando as lágrimas.
Claro, agora eu entendo um pouco mais ele- falei.
Então vá Miguel, enquanto isso ficaremos aqui um pouco- minha mãe disse.

Caminhei lentamente pelos degraus da escada tentando não fazer nada de barulho, enquanto isso eu imaginava, como seria se eu perdesse alguém que eu amava tanto? Mãe, Pai, ou o meu irmãozinho que eu tanto adorava. Claro que aquilo não justificava o comportamento dele, mas dava pra entender bastante seu sofrimento.

Cheguei a porta de seu quarto e dei 3 batidinhas na porta.

Não quero conversar nada agora mãe, me deixa aqui sozinho- ele falou com voz embargada de quem estava chorando bastante.
Não é sua mãe, sou eu- respondi enquanto abria a porta e entrava.
Se não quero receber nem minha mãe, por que você acha que é bem vindo aqui? Falou da forma mais rude possível.
Não tô aqui pra brigar, só vim ver se você tá bem.
Você não tem obrigação nenhuma- resmungou
Pode ser, mas… eu tô aqui porque eu quero. Olhei em seus olhos que me fitavam de uma forma profunda.

Ele ficou alguns segundos me olhando como se tentando analisar meu comportamento atual ou até mesmo ler meus pensamentos, enquanto eu meio desconcertado fiquei em silêncio.

Legal essa sua corrente aí no seu pescoço, é de ouro? Perguntei tentando quebrar o silêncio constrangedor.
É de ouro sim, era do meu irmão. Respondeu.
E esse pingente, parece…parece uma melancia. Falei meio que rindo.
Ah, é que o meu irmão adorava melancia, acho que minha mãe deu pra ele meio que de brincadeira por causa disso.
Ah, é? Meio engraçado isso né?
Por que diz isso? ele perguntou.
É que o ouro é um metal comestivel, sabia disso?
Claro, e ele é quimicamente inerte, por isso ele nunca enferruja ou irrita a pele.
E também é um excelente condutor elétrico- falei.
Até que você também é bem inteligente.
Valeu- vindo de você é um elogio.
Não sou tão inteligente quanto você imagina.
Claro que é, olha você deu um show em todas as aulas na semana sabia disso? Tipo você é o cara mais comentado da escola toda.
Se eu fosse mesmo inteligente não tinha criado essa bagunça toda de agora a pouco. Mais uma pausa e alguns segundos de silêncio.
Ei, quer ouvir mais uma curiosidade sobre o ouro- falei quebrando o silêncio.
Qual?
Sabe porque o ouro é o metal favorito dos cachorros?
Hã? Ah, não sei- respondeu depois de muito pensar.
Porque o simbolo atômico do ouro é “Au”.

Foi uma piada boba, idiota, mas tão idiota que para minha surpresa André começou a rir, nossa eu nunca tinha visto ele rindo, jamais imaginei que uma risada iria me dar tanta satisfação, eu, eu fiz o cara mais sério da escola rir, e que sorriso bonito, pensei.

Que legal que você gostou, foi uma piada boa pra cachorro. Hahaha
Meio forçada né? Mas tudo bem- ele disse.
Bem, pelo visto você está melhor, acho que minha mãe e meu pais devem estar me esperando.
Espera, ele disse segurando meu ombro.
O que foi? Perguntei curioso.
Por que você tá fazendo tudo isso por mim?
Não sei…eu acho que se eu perdesse o meu irmãozinho eu também ia ficar bem triste. Eu não conheci o seu irmão, mas eu tenho certeza de uma coisa, mesmo na morte tudo o que ele desejava é que você tenha uma vida feliz. Bem, eu vou indo, espero que você tenha uma boa noite, tchau, me despedi.
Espera, espera- ele se levantou da cama e foi até mim.
Quer falar mais alguma coisa?
Sim, fica aqui comigo, não me deixa sozinho por favor- ele falou enquanto me encarava. Então ele se aproximou mais ainda de mim e me deu um beijo na boca.

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