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Aos pés do senhor

1503 palavras | 6 |4.20
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Uma noviça cheia de tesão, e as cristãs saltitantes

Depois das tarefas completas, quando todas se retiravam para suas celas e o único som a quebrar o silêncio, hora após hora, era o badalar dos sinos da envelhecida capela, seus passos miúdos, cruzando os largos corredores escuros e frios, só poderiam ser percebidos por aquelas que colassem o ouvido à porta do quarto e, resignadas, aceitassem, durante minutos eternos, ouvir apenas as batidas do próprio coração.
Então, após a longa espera, como que saídos do negrume, seus delicados pés, calçando as alpargatas de sisal, irrompiam na ala dos dormitórios, envoltos na triste suavidade conhecida somente dos que represam seus mais pungentes desejos.
Vinda da capela, onde dera os últimos retoques para a missa que, no dia seguinte, ainda antes do nascer do sol, iniciaria a vida do monastério, ela tomava todo cuidado ao andar, de forma que nem mesmo o menor barulho, por um descuido seu, pudesse atrapalhar o sono das irmãs que, terminando suas orações pessoais, já estivessem adormecidas. Com a mão esquerda, segurava firmemente o molho de chaves preso à cintura; com a direita, empunhava o castiçal de uma única vela, da qual emergia uma chama hesitante.
O hábito marrom escuro, algo áspero, farfalhava levemente, deixando no seu vácuo apenas a escuridão.
A cela humilde acolheu o seu corpo de aparência infantil com um bafejo de bolor e umidade. O branco dos lençóis impecáveis tremeluzia sob a luz que ela carregava.
Aproximou-se da janela e, por entre as frestas das persianas lacradas, aspirou o ar morno, carregado dos perfumes noturnos. Tudo era silêncio. Lá fora, nem sequer uma brisa.
Tocou, com a ponta dos dedos, o crucifixo de madeira que trazia e, segurando-o pelos cordões que o prendiam ao pescoço, tirou-o, fazendo um leve meneio com a cabeça. Peça a peça, despiu-se. E, por debaixo da roupa íntima, de um algodão cru, larga e mal cortada, brotaram, primeiro, dois seios pequenos e duros, cujos mamilos, rosados, como que se erguiam, petulantes, oferecidos, na direção da imagem do crucificado, colocada acima do genuflexório.
Depois, descendo o calção levemente manchado entre as virilhas, emergiu a vulva peluda e saliente, semelhante a um pequeno animal que, enrodilhado, fingisse hibernar.
As nádegas eram, talvez, decepcionantes, um pouco estreitas, quase masculinas… Enquanto que as coxas e as pernas, cobertas de uma levíssima pelugem, desenhadas sem qualquer pressa, terminavam nos delicados pezinhos, cujas unhas, redondas e bem aparadas, pareciam repetir o mesmo tom rosa dos mamilos.
Uma cabeleira preta e exageradamente curta encimava o corpo níveo, translúcido, que passou a movimentar-se no minúsculo quarto com uma tensão exasperante.
Enquanto caminhava de um lado a outro, ela repetia, num murmúrio, a jaculatória: “- Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!
Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!…”.
Mantendo os olhos fechados e apertando as mãos unidas, insistia em seu curto trajeto, esbarrando nos pés do genuflexório, pressionando a cabeça contra a porta do armário, pisando no hábito largado pelo chão.
Um derrame de pensamentos inundava o seu cérebro desgovernado.
Abrindo e fechando os olhos, ela apenas conseguia balbuciar a pequena oração.
Gotas de suor brotavam de sua testa. Pecara.
Pecara, sim. O dia inteiro.
Minuto a minuto. É certo, desempenhara todas as tarefas sob a sua responsabilidade, mas deixando que o pensamento vagasse, lúbrico, chafurdando, repleto de nódoas, numa vastidão de inconfessável
lascívia.
Agora, ela rememorava cada um dos sonhos visitados, enojava-se de si mesma, mas sentia o delicado e incontrolável calor do sexo que começava a umedecer.
Mecanicamente, numa de suas idas e vindas, estendeu a mão para a porta e arrancou, do gancho enferrujado, as disciplinas.
Seu corpo franzino tremia. Sua consciência clamava pela purgação da culpa.
A mão delicada empunhava as correias que, para formar um cabo, cruzavam-se numa sequência de nós.
De pé, no centro do cubículo, desferiu o primeiro golpe, lançando as tiras de couro por sobre o ombro esquerdo. A seguir, sobre o direito.
E, assim, inúmeras vezes, insistindo na mesma jaculatória, enquanto se vergastava.
Depois, acreditando que isto adormeceria sua carne, passou a fustigar os rins de maneira muito pausada, erguendo o braço esquerdo e arremessando o chicote contra a parte inferior das costas; repetindo o mesmo gesto com o braço direito levantado, segurando as correias com a mão esquerda.
Ela acabou por cair de joelhos sobre o piso de lajotas, extenuada.
Arrastou-se até o genuflexório e ficou ali, vazia de pensamentos, os olhos postos nos pés ensanguentados do crucificado, sentindo o interior de sua vagina pulsar de desejo.
Estendeu sua mão para o pedaço de madeira cuneiforme, no qual o Cristo tinha os pés apoiados, e girou-o lentamente.
Enfiou o indicador no pequeno esconderijo e retirou de lá, enrolada com esmero, uma longa fita de veludo roxo, cuidadosamente cortada quando fizera as capas que cobririam as imagens dos santos, na época da Quaresma.
Fez com que o recorte de pano escorregasse pelo seu corpo cansado… Introduziu uma das extremidades na boca, não sem antes passá-la por todo o rosto. E, com a outra, começou a acariciar cada centímetro da sua pele.
Seus mamilos, agora intumescidos, eram ponteiros indicando o Paraíso. E ela entregava-se ao deleite, à sensação de maciez e suavidade que o veludo lhe proporcionava, enlevada pelo torpor, vencida, abraçando, finalmente, cada uma das suas quimeras.
Sua excitação crescia… Mesmo ajoelhada, flexionou mais as coxas e arqueou os quadris. Entreabriu, com os dedos, os grandes lábios e, descobrindo o clitóris endurecido, esfregou ali, numa sucessão de gestos curtos e arrebatados, com desespero, a extremidade do veludo.
Assim, a fita cruzava seu corpo, vibrando, esticada, de uma boca a outra, qual uma serpente que se estendesse, lassa, sobre uma superfície ardente.
Ela podia sentir, através do tecido, a umidade quente e viscosa, brotando da sua fenda de menina.
Todo o seu corpo latejava de prazer.
A delicada fita penetrou sem qualquer dificuldade na greta encharcada; e, soltando, num gemido fundo, a extremidade presa pelos dentes, meteu, centímetro a centímetro, a peça inteira em sua vagina.
Prendeu, em seguida, o clitóris entre os dedos e, apertando-o até doer, sentiu-se estremecer em espasmos de tesão.
À sua frente, a menos de dois palmos do seu rosto, emergiam do madeiro os pés magoados de Jesus. Os dedos projetavam-se daqueles pés magros como se tivessem vida própria e o sangue, brilhando num vermelho intenso, parecia, de fato, escorrer.
Aproximou a boca dos pés sobrepostos e, sentindo o veludo preenchendo suas entranhas e o clitóris amassado pela pressão dos dedos, beijou, demoradamente, cada saliência e cada reentrância.
Ao fim de alguns segundos, já não beijava: lambia. Lambia, desavergonhada. Lambia. E arfava. E gemia.
As saliências cresciam em sua boca, iguais a membros túrgidos e carnosos, vivos, pulsantes, antecipando uma ejaculação iminente.
Assim, esfregando a língua sobre a carne do Amado, chupando, num transe, os dedos do Filho de Deus, ela gozou, muda, engolindo o grito de satisfação.
Os joelhos doíam muito quando, após um tempo indeterminado, ela se ergueu, com dificuldade, do genuflexório.
Jogou-se sobre o colchão desconfortável e, pouco a pouco, sentiu, levemente, o ar puro da madrugada refrescando a sua face.
Uma estranha felicidade percorria todo o seu corpo.
A culpa desaparecera, dando lugar a um sentimento que nascia do mesmo local misterioso onde o silêncio era gerado todas as noites. O bálsamo silencioso dos templos; a harmonia silenciosa dos jardins e das florestas; o sono silente e imperturbável das crianças: tudo vivia e respirava dentro dela, agora.
Entregou-se ao lento passar das horas, flutuando sobre a serenidade, sobre a calma, transportada a uma dimensão de névoa e brandura.
Lembrou-se, então, da faixa de veludo e procurou-a dentro de si. Mas, ao tirá-la, um repentino vagalhão de prazer ressurgiu no seu ventre, fazendo com que, num arremesso, erguesse os quadris, oferecendo-se a um amante inexistente.
Seu desejo encontrava o vazio, somente o vazio…
A paz, subitamente, a abandonara.
Um choro sem lágrimas irrompeu no seu peito e, num gesto cego, ela agarrou, no criado-mudo, o crucifixo de madeira, enterrando-o na vagina escancarada; socando, insolente, o objeto em sua carne convulsiva, incansável, mais e mais vezes, até estrebuchar num gozo delirante e sem fim…
A chama da vela dançava, querendo extinguir-se em meio à cera derretida.
Os sinos da capela bateram, anunciando uma hora qualquer.
E, sobre a cama desfeita, dois olhos negros faiscavam como pedras de ônix, úmidos da mais crua luxúria.

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6 Comentários

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  • Responder Mariana, a sacana ID:1dqfoeiak8f0

    Maravilha Mikaela, muito bem redigido, parece um romance literário!
    “Desejos pungentes”? Pra mim isso é tesnao mesmo kkkk
    Parabéns querida continue escrevendo assim, guarde os originais e publique fazendo parte da coleção “Contos de fodas” kkkkk

  • Responder Tony ID:7ogywlf7hm

    Mikaela que bom te ver aqui. Nos falamos um tempo, mas vc sumiu. mande uma mensagem [email protected]

  • Responder Rafaella ID:7xbyxpzfia

    Wow !!! Que delicia de conto… Muito bom.
    Uma leitura ótima, cheia de termos realmente clericais.
    Literalmente uma SANTA SIRIRICA !!

  • Responder Nancy ID:1cmoqytu6q4s

    Mikaela, que bom que está de volta aos contos, tive saudades…

    • Mikaela ID:1e21ngyezzcr

      Boa tarde Nancy!! estou sem muita disposição para escrever muito obrigada por se lembrar de mim!!!

  • Responder @Antunes2023rj =telegram ID:6oeui1ad9i

    Olá que delícia de conto uma mulher assim disposta a sentir prazer