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Novos Anjos Parte 18

2901 palavras | 4 |4.71
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Não acredito, não acredito, é muito azar mesmo, é força do destino, sei lá o que é, mas aconteceu da pior forma possível, depois de tomar banho junto com o Arthur eis que entra o Flávio no meu quarto e nos pega em flagrante nos beijando que nem dois loucos em cima da minha cama. Que porcaria de fechadura é essa que quebra assim do nada? Eu tinha certeza que girei totalmente a chave, mas ela não trancou mesmo assim, que merda, por que eu não verifiquei se estava realmente fechada? Eu tava me achando o cara mais idiota e burro da face da Terra, mas a expressão de espanto do Flávio estava bem pior.

Como explicar esse momento? Flávio não era branquinho, era moreno até mais escuro quando pegava um bronzeado, mas agora ele estava sei lá, branco que nem uma folha de papel, seus olhos estavam arregalados quase tanto quanto os nossos e tudo o que eu conseguia ver era ele se esforçando para falar enquanto sua boca tremia.

– Ah…é… d- desculpa… e-eu devia ter batido na porta antes de entrar- dava pra sentir o profundo constrangimento em sua voz.
– Não, Flávio, espera- eu me levantei e corri até ele.
– O- olha, eu vou…vou…tomar banho ali no outro banheiro, v-você me passa a toalha daqui a uns minutos, p- pode ser?
– Tem toalhas limpas no armário lá dentro do Banheiro- falei- Flávio, espera a gente te deve uma explicação.
– Não, não…desculpa, eu é que não devia ter invadido a privacidade do seu quarto desse jeito.
– Flávio, para de falar como se a gente fosse estranho, você é nosso amigo, a gente ia te contar, só não tinhamos encontrado ainda o momento certo.
– Tá bom, olha eu vou tomar banho e a gente já se fala- ele disse bem mais calmo- fica com o Arthur, ele parece bem nervoso- apontou.

Após ele se retirar para o banheiro me voltei para Arthur, ele realmente parecia meio fora de sintonia, não tinha tido nenhuma reação, apenas estava calado sentado na cama com as duas mãos cobrindo o rosto.

– Arthur, ei Arthur, vem cá fala comigo- chamei.
– Que vergonha cara, eu nem sei o que dizer, parece que a gente nunca tem facilidade na vida.
– Não é assim também, vai me fala o que você está pensando?
– Você não viu o jeito que ele ficou? Totalmente assustado com a situação, e agora como vai ser?
– A gente vai conversar né? Só assim que a gente vai conseguir chegar num entendimento.
– E o que você acha? Não tá sendo otimista demais não?
– Ele é nosso amigo.
– E será que ele vai querer continuar sendo amigo de duas bichas?
– Arthur- falei espantado- Não fala assim, você acha mesmo que o Flávio considera a gente como bichas?
– Bicha, veado, frescos, o que mais? Eu já ouvi mais de uma centena de nomes diferentes.
– Mas ele é nosso amigo- ressaltei novamente.
– Ele é amigo de dois meninos heteros, agora que ele sabe da verdade é tudo diferente.
– Ele não é mesquinho assim, você não acha que tá fazendo mau juízo dele?
– Não tô fazendo mau juízo especificamente dele, só estou sendo realista.
– Vamos esperar pra ver no que vai dar, é só o que temos pra fazer agora.

Não é difícil imaginar como os minutos ficaram gigantescos naquele momento, cada segundo se passava com uma lentidão assustadora, decidimos ficar em silêncio sentados na borda da cama aguardando, depois de esperar muito, muito tempo (nas nossas cabeças) finalmente ouvimos um “ toc, toc” na porta.

– Pode entrar- falei
– Com licença- ele disse entrando.
– Não precisa ser tão formal Flávio, senta aí- apontei pra cadeira do meu computador. Olha em primeiro lugar…
– Espera, deixa eu falar primeiro, por favor? Ele interrompeu.
– Tudo bem… respondi.
– Enquanto eu tava tomando banho eu tive tempo de organizar as ideias, desculpa se eu pareci assustado demais, quer dizer…foi uma surpresa vocês dois juntos, eu não imaginava, apesar de que vocês sempre tão mesmo grudados um no outro e tal mas eu acho que o mais importante de tudo é deixar bem claro que eu entendo a posição de vocês e eu de forma alguma vou dizer que vocês estejam certos ou errados, é a vida de vocês e eu não sou homofóbico nem nada do tipo, se isso tranquiliza a situação tipo… a gente ainda é amigos né?
– Claro que somos- eu disse- e se me permite dizer a sua fala agora se mostrou muito madura.
– Ahhh, lá vem você falar que nem adulto como sempre, bem, então eu aceito isso como um elogio. E você Arthur? Tá calado aí, ainda amigos não é?
– Claro que sim- ele respondeu levantando a cabeça- desculpa, é que eu fiquei mega envergonhado.
– Relaxa cara, na verdade a gente ainda vai rir muito disso quando formos mais velhos, amigos então? Ele estendeu a mão.
– Amigos, de preferência pra sempre- ele deu a mão para o Flávio.
– Você também, Paulo, bota a mão aqui- agora colocamos as mãos uma em cima da outra. Amigos pra sempre.
– Valeu por ser tão compreensivo Flávio, sabe, o Arthur tava morrendo de medo que fosse acontecer o contrário- falei.
– Infelizmente é o mais “normal” de acontecer né? Desculpa por ter achado isso de você Flávio.
– Tá tudo bem, acho que vocês tem várias razões pra pensarem assim, é um assunto difícil né? Posso perguntar uma coisa? Quem mais sabe?
– Até agora só o meu primo, o Luca e você- respondi. Desculpa não ter te contado antes, a gente tava adiando essa conversa e acabou dando no que deu, mas eu juro que a gente ia falar, não foi por falta de confiança em você, sério mesmo.
– Tá bom, bora parar de ficar pedindo tanta desculpa ok? Estamos bem, como sempre.
– Você é um grande amigo Flávio- falei- e todos nos abraçamos.

Não demorou muito tempo para os meus primos voltarem lotado de pão com queijo e presunto, o mais básico de todos os lanches para moleques de todas as idades, o dia que parecia se encaminhar para um desastre no final das contas estava acabando bem, o Flávio realmente estava se provando um grande amigo e companheiro, tenho que ajudá-lo da forma como sua mãe me pediu, talvez eu devesse contar a ele a conversa com a mãe dele? Bem primeiramente acho que podemos usar esse fim de semana em sua casa para conhecer um pouco melhor as coisas e ver de perto como é a relação dele com o padrasto já que Dona Edna disse que não é nada boa.

O dia seguinte transcorreu normalmente, ou quase normalmente, pelo visto a professora de História percebeu que a gente tava fazendo panelinha e não deixou de jeito nenhum a gente fazer trio juntos para trabalho em grupo. Cada um de nós três foi obrigado a ficar num grupo diferente.

Arthur ficou no grupo da Bia, uma menina muito fofa e educadinha, mas nunca chegamos a conversar, ela é bem popular e tá sempre rodeada por outras meninas que não gostam muito de deixar gente de fora chegar muito próximo. O segundo integrante foi o Eduardo, um moleque todo metido a besta só porque faz parte do time titular de futebol da escola, na verdade ele só sabe falar de futebol e parece que tudo que ele fala tem que ter alguma relação com futebol, resumindo, um saco.

Já o Flávio tadinho, deu mais azar, foi forçado a fazer trio com os dois moleques mais babacas da sala, o Guilherme e o Márcio, diferente de nós que somos anti sociais do bem aqueles dois são anti sociais mais malignos que eu já vi na vida, vivem criticando tudo o que acontece na escola mas na hora da aula só querem saber de conversar ou dormir, pobre Flávio.

Sobrou a minha equipe, modestia à parte eu sou mesmo um sortudo as vezes, na minha equipe veio o Mauricío, um dos meninos mais legais da sala, e um dos poucos que eu de vez em quando trocava umas palavras, a gente até já trocou o lanche uma vez, que o Arthur nunca saiba disso. O Maurício também faz parte do time de futebol, na verdade ele meio que rivaliza com o Eduardo mas eles são dois opostos pois eu duvido que ele faça mal a uma formiga que seja.

Ah sim, e pra completar veio a Marina a desenhista da turma, ela simplesmente é craque em desenho e pintura e apesar de ser super tímida todo mundo na sala gosta dela, ela vive fazendo desenho pra todo mundo e é uma menina super carinhosa.

Foi um trabalho bem longo e demorado mas conseguimos aos trancos e barrancos terminar dentro do limite da aula, a professora detesta quando deixamos trabalho para fazer em casa, na verdade o que acontece é que a maioria nunca faz.

No intervalo vimos as consequências nas reclamações do Flávio.

– Caralho, viu? Aqueles dois moleques são muito folgados, eu tive que fazer quase tudo sozinho.
– Paciência né? Falei- Ia acontecer mesmo um dia dos professores botarem a gente com outras equipes.
– Eu até que gostei- falou Arthur- a Bia é uma menina muito legal e ela é muito boa em história também, descobri que ela adora ler que nem eu.

O Arthur gostou da Bia, será que devo ligar o sinal de alerta? Ai meu Deus não acredito que eu tava sentindo ciúmes por uma coisa tão boba, mas o Arthur não parava de falar como eles tinham coisas em comum, tentei cortar o assunto.

– É mas aquele tal de Eduardo vive no mundo da Lua, ou melhor no mundo da bola, parece que não tem outro assunto saindo da boca dele.
– Ele não é tão chato assim, sabe que ele conhece a História de um bocado de Países que participaram da Copa do Mundo? A primeira Copa aconteceu aqui na América do Sul, no Uruguai em 1930.

Pronto, mudei de assunto de Bia pra Eduardo e ele pareceu mais empolgado ainda, eu realmente tava começando a sentir saudades dos capítulos onde a gente praticamente não interagia com os outros alunos da sala.

– Ah e vocês sabiam que o Brasil foi sede da copa em 1950 logo após uma parada de quase 10 anos por causa da Guerra? E adivinha, perdeu em casa pro Uruguai. Arthur continuava empolgado.
– Uau, que coisa importante- falei muito sarcastico.
– Mas tudo isso é História também e ele entende bastante coisa, achei muito divertido. Continuou Arthur.
– Deve ser mesmo superdivertido um monte de marmanjos correndo atrás de uma bola pra ver quem consegue chutar mais vezes dentro de duas traves. Debochei.
– Por que você tá sendo tão chato Paulo? Reclamou Arthur.
– Não tô sendo nada, só não me interesso por esse esporte de merda.
– Pois eu achei divertido de conhecer, e o Eduardo foi simpático ele gosta de conversar, de ler…
– Uau, que cara fantástico- fui irônico.
– Calma gente, o que tá rolando aqui? Interveio Flávio.
– Não sei, só tô falando aqui como foi bacana conversar com outras pessoas da sala e o Paulo tá respondendo todo estranho.
– Não tô estranho nada- falei.
– Eu tava falando da Bia e do Eduardo e você fica aí dando resposta atravessada, qual é o problema afinal? Perguntou
– Problema nenhum- retruquei.
– Você tá se comportando que nem criancinha, sabia? A gente só conversou e agora você tá tendo o quê? Ataque de ciúmes é? Seu bobalhão.
– Ah, quer saber? Se você gostou tanto deles vai lá e pede a mão de um deles em casamento- Me levantei e voltei irritado pra sala.

No caminho da sala entrei no banheiro, esse é o problema de brigas impulsivas, num segundo você tá muito puto brigando e no outro lá estava eu que nem um cachorro totalmente arrependido. Enfiei minha cabeça embaixo da torneira e deixei a água escorrer pra ver se esfriava a cabeça.

Que merda, eu pensava, porque diabos eu sou assim tão impulsivo as vezes? Eu dei um show ridículo e absurdo de ciúmes totalmente descabido e desnecessário, eu sou mesmo a criatura mais besta e idiota do mundo. Alguns segundos depois percebi alguém entrando.

– Ah, você está aí- era o Flávio- já tá mais calmo?
– Que droga Flávio, me perdoa, não era pra você ter ouvido tudo aquilo.
– Tudo bem, mas… não é pra mim que você tem que pedir desculpas né?
– Que besteira que eu fui fazer, estraguei tudo em 5 minutos de ataque de ciúmes, ele tá muito bravo?
– Cara, ele saiu falando um monte, ele ficou muito puto eu acho.
– O que ele disse? Perguntei aflito.
– Disse que você é muito mimado, que ele não vai aceitar se você ficar querendo controlar a vida dele.
– Mas que bosta que eu fui fazer- me lamentei- e agora o que eu faço?
– Pede desculpa pra ele ué, diz que você tá arrependido e tal…
– Vamos voltar pra sala então, o sinal já vai tocar, você fala com ele pra gente conversar depois da aula? Eu vou lavar meu rosto de choro aqui e já vou pra sala.
– Tá bom, eu deixo o terreno arrumado pra você.
– Você é um amigão Flávio, obrigado, de verdade.
– Tudo bem, eu vou indo então.

Lembram de toda a “sorte” que eu andei dando esses dias todos? Pois é, um dia ela iria virar, e foi o que aconteceu justamente hoje. Voltei pra sala e o Arthur não estava lá. Acontece que uma vez por semana temos uma matéria chamada “Projeto de vida”, na verdade não é uma matéria em si e sim várias que podemos escolher, como empreendedorismo, Redação, Artes, Cinema, e várias outras opções. Acontece justamente que nesse dia o Arthur vai pra aula de Redação, já eu e o Flávio fazemos empreendedorismo, é eu me lasquei bonito hoje, agora só ia conseguir tentar encontrar o Arthur no final das aulas.

Não preciso nem dizer que a aula foi uma droga, tinhamos que desenvolver um projeto ficticio de negócio para o bairro, eu e o Flávio fizemos juntos um projeto de uma empresa de construção a preços baixos. O Flávio teve que fazer quase tudo sozinho, eu fiquei com a cabeça no mundo da Lua a aula inteira, no final o projeto ao menos no papel ficou pronto.

– Poxa, segunda vez no dia que tenho que fazer um trabalho sozinho- reclamou Flávio enquanto arrumava sua mochila.
– Desculpa Flávio, me perdoa por te meter nisso- comecei a chorar.
– Ei, para com isso, droga, eu e minha grande boca. Olha não precisa chorar, eu tava reclamando só por reclamar mesmo, você sabe que não é nada pessoal, eu que sou assim mesmo. Desculpa- ele me consolou segurando meu ombro.
– Eu sou um estupido, logo agora que tudo tava indo tão bem, o Arthur provavelmente vai terminar comigo.
– Não vai não- falou Flávio- Você acha que por causa de uma briga ele já terminaria tudo? Se fosse assim não existia ninguém junto no planeta, todo mundo briga de vez em quando, olha o meu caso, eu vivo em pé de guerra com o meu padrasto, mas sei lá, no fundo ele nunca reclamou de mim, eu tô tentando ser menos chato ultimamente, afinal de contas se tenho casa e comida na mesa também devo a ele né?
– Será que ele vai me perdoar?
– Eu não tô aqui dando o melhor exemplo? Se até eu acho que já tô perdoando meu padrasto, ele te perdoa sim, não é como se você tivesse matado alguém, foi só uma briguinha besta.
– Fico feliz que diferente de mim você tá tendo bastante maturidade, você acha que eu sou mimado?
– Cara, não adianta pensar nisso agora, vamos correr antes que a van dele chegue e ele vá embora.

Por qual razão eu iria ter um último fiapo de sorte nesse dia? Justamente o que o Flávio acabara de dizer aconteceu, Arthur já havia pego sua van e estava a caminho de casa, só me restou sentar no banco da frente da escola e chorar enquanto o Flávio me consolava.

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4 Comentários

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  • Responder Kanedaken ID:8d5gapim9c

    Esse toque de aflição é bom demais. Deixa a história mais envolvente. Muito, muito bom.

  • Responder greenbox amigobc 💚💚💚💚 ID:5dkw5c5ezyj

    Jozeto estou sem palavras pra descrever sua história muito boa mesmo aos amigos do cnn que gostam de uma história de amor fica aqui minha diga aos melhores escritores do cnn ((( JOZATO – PAULO CESAR FÃ BOY -E O NETx X

  • Responder @john_john666 ID:8cipdr3hra

    que conto bom

  • Responder paulo cesar fã boy ID:3ij0y0lim9a

    gostei muito deste capitulo, agora é torcer para que o paulo e arthur votem as boas kkkk