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Linhas Cruzadas – Parte 15 A vida continua

2421 palavras | 13 |5.00
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…. Seguimos na estrada sem parar e quase cinco horas depois finalmente chegamos a pequena cidade a qual pertencia o distrito onde papai nasceu, eram quase vinte horas.
Passamos pela praça central bem iluminada com sua igreja no meio, seguimos pela lateral da praça em uma rua de paralelepípedo, avistamos um carro funerário com placa de Teresina estacionado na frente de uma casa, na parede frontal da casa havia um letreiro: Associação dos produtores rurais.
Papai estacionou atrás do carro. – O velório será aqui, já chegaram, vocês querem entrar agora ou voltamos amanhã? perguntou olhando pra mim e Fabinho que estávamos no banco de trás.
Fabinho abriu a porta do carro sem falar nada e saiu, eu o seguí, segurei sua mão e fomos entrando devagar, nos deparamos com duas mulheres e um senhor sentados em umas cadeiras de plástico numa espécie de antessala ao lado uma porta dupla que dava para um salão.
Papai e mamãe vieram logo atrás de nós, as mulheres e o senhor nos cumprimentaram, entramos no salão e lá estava o caixão com seu Osmar. Nos aproximamos , eu apertei a mão de Fabinho , chegamos ao lado ele olhou pro pai soltou minha mão e se ergueu sobre o pai , as lágrimas começaram a escorrer no seu rosto. Foi impossível não chorar também, papai e mamãe observavam com os olhos marejados. Papai tirou um lenço do bolso e passava no rosto secando as lágrimas.
Ficamos alguns poucos minutos alí, mamãe colocou o braço no ombro de Fabinho: – Vamos querido, amanhã voltamos.
Ele estava com o olhar perdido, segurei sua mão e fomos caminhando pra fora, entramos no carro e seguimos em direção ao sítio,mais meia hora por estrada de terra e chegamos a casa da avó de Fabinho.
Todos nos esperavam, Fabinho abraçou a tia dona Rita e o primo um menino de quatorze anos, sua avó já estava dormindo e não tinha noção do que se passava devido ao Alzheimer, apareceu uma outra prima dele uma moça com seus dezenove anos mais ou menos, o marido da sua tia também estava em casa. Era uma casa pequena e muito humilde, eles haviam preparado uma janta pra nós com cuzcuz, inhame , frango,ovos fritos e demais coisas da terra…
Foi providencial pois estávamos mesmo com fome, fizemos apenas uma rápida parada na estrada pra ir ao banheiro e não comemos nada no caminho, mamãe havia tomado uma água de côco que eu e Fabinho recusamos.
Comemos, ficamos conversando por pouco tempo, pois estávamos fisicamente e emocionalmente exaustos, que dia horrível! O marido de dona Rita seu Adaílton pegou a moto e fomos atrás o seguindo de carro até a casa de Fabinho, o que levou menos de dez minutos .
Tiramos nossas malas do carro e levamos pra dentro da casa.
Dona Rita havia passado por lá mais cedo e arrumado tudo pra nós. Camas,colchões, travesseiros e lençóis etc. tudo simples porém muito bem cuidado.
Seu Adaílton nos mostrou onde estavam as coisas, conversou uns minutinhos com papai e foi embora.
Fabinho permanecia em silêncio com olhar triste e perdido, vê-lo assim me causava uma dor no coração.
Papai se aproximou dele e o abraçou, fez um cafuné em sua cabeça.
– Vou tomar um banho e dormir, a estrada me baqueou, disse papai. Ele tirou algumas coisas da mala e foi tomar banho.
Mamãe sentou do nosso lado, puxou Fabinho colocando a cabeça dele sobre seu colo e acariciou seus cabelos.
Papai saiu do banho. – Meninos vocês vão primeiro, disse mamãe.
– Vai, depois eu vou. disse Fabinho levantando a cabeça do colo de mamãe e me olhando.
Peguei um pijama na mala , uma toalha e entrei no banheiro. Senti a água caindo sobre mim … quando acabei estava me sentindo um pouquinho melhor.
Saí do banheiro Fabinho levantou do sofá e foi junto comigo pro quarto dele que tinha uma cama beliche e outra cama encostada na parede e um pequeno guarda-roupas.
Ele pegou suas coisas e foi se banhar, fiquei sentado na cama esperando ele voltar. Quando voltou me olhou, sentou na outra cama, ficamos em silêncio até que me aproximei dei um beijo em seu rosto e me deitei, ele desligou a lâmpada e deitou, logo adormeci profundamente.

-Filho, abri os olhos mamãe estava do meu lado, acorda vem tomar café.
Do quarto dava pra sentir um cheiro forte de café. Levantei ainda sonolento, Fabinho estava no sofá assistindo televisão e papai na cozinha passando um café no coador de pano.
– Isso aqui é café com alma e com afeto, esses cafés em cápsulas podem até ser bons, mas esse aqui tem um sabor diferente um cheiro diferente… disse papai colocando o bule sobre a mesa. Mamãe foi a cozinha pegou umas tapiocas feitas na frigideira.
Sentamos todos á mesa, papai rezou e enquanto tomávamos café ouvimos barulho de moto, era seu Adaílton.
-Trouxe umas coisas que Rita fez pra vocês tomar café, vinha mais cedo mas chegou gente lá em casa…
-Não precisava se incomodar seu Adaílton nos viramos bem. disse mamãe
– Eduardo já chegou em Teresina?. perguntou seu Adaílton
-Chegou na madrugada,mas só saíram de lá a pouco até meio dia devem estar chegando. respondeu papai
Eduardo é o irmão mais velho de Fabinho que mora em São Paulo. Papai havia comprado a passagem pra ele vir e meu tio foi buscá-lo no aeroporto em Teresina, estavam vindo pro enterro.
Seu Adaílton foi pra casa e continuamos tomando café.
Papai sábio como sempre começou conversar, contar sobre as boas lembranças que tinha da época que viveu alí, era uma época bem mais difícil que hoje…
-Fabinho tenho muitas lembranças boas de coisas que vivi por aqui com seu pai, e muitas lembranças difíceis também. Vivemos momentos ruins, muitos já se foram… mas no fim a tristeza diminui, e ficam a saudade e as boas lembranças ,essas a gente deve cultivar e seguir em frente da melhor maneira até pra honrar os que já se foram. Osmar tá lá em cima agora e tudo que ele mais quer é que você fique bem, cresça como homem digno e se realize na vida…
Fabinho escutava papai com atenção, terminamos o café e apesar da tristeza parecia que estávamos mais leves, o clima um pouco menos pesado.
Eu e Fabinho fomos até a frente da casa ficamos um tempinho e depois resolvemos dar uma volta pelo sítio, fomos até os fundos da propriedade onde fica um poço que os pais dele dizia ser mal assombrado pras crianças não chegarem perto.
-Lembra que a gente ficou brincando aqui e ouvimos um barulho? perguntei
-Lembro, demos uma carreira grande.
A lembrança nos fez esboçar um leve sorriso.🙂
-Viu, as lembranças boas tem esse poder, igual papai falou.
-É verdade
Fomos andando bem devagar em direção a casa.
-Meninos venham cá, acenou mamãe do lado da casa.
– Se arrumem, vamos pra cidade daqui a pouco.
Fomos pro quarto e enquanto nos trocamos Fabinho disse:
-Eduardo tá vindo mas Samara (sua irmã)não deu nem sinal será que ela tá sabendo?.
-Eu não sei amor…
Fabinho é apegado com o irmão e o irmão com ele, sempre que possível se falavam por telefone. Já a irmã foi embora pro Rio de Janeiro e não deu mais notícia.
Entramos no carro e fomos rumo a cidade, a estrada de chão levantava um poeirão . Paramos na frente da casa da avó de Fabinho ,tinha um carro parado na porta, Pessoal da casa entrou no carro e foram atrás nos seguindo.
Trinta minutos mais ou menos chegamos na rodovia de acesso a cidade que fica pouco a frente. 🚙🚕🏡
Paramos em frente a associação dos agricultores, eu e Fabinho nos olhamos,segurei em sua mão respirei fundo.
-Vamos! falei com determinação
Saímos do carro e entramos no velório… É uma situação deprimente, o lugar foi ficando cada vez mais cheio, seu Osmar era muito conhecido na região e muito querido.
O calor tava grande, vez enquando eu ia até um bebedouro tomava água e trazia um copo pra Fabinho que estava em silêncio sereno ao lado caixão não saiu nem por um minuto. A diretora da escola dele apareceu foi abraçá-lo, cumprimentou mamãe e papai.
Ela e mamãe se retiraram por instantes, ficaram conversando um tempo no canto do salão.
Alguns amigos da escola dele também apareceram, e professoras…
Eram meio dia e quarenta , quando meu tio chegou com Eduardo que se aproximou abraçou Fabinho e começaram a chorar abraçados, foi uma comoção 😢.
Passado uns minutos, papai, Eduardo e meu tio sentaram em umas cadeiras no salão e ficaram conversando por um bom tempo.
O padre chegou ,todos se aglomeraram ,ele então proferiu um bonito discurso e fez todas as rezas que manda a liturgia…eram quase dezesseis horas quando saímos em cortejo até o cemitério que ficava na saída da cidade, mais um momento comovente quando Eduardo e Fabinho jogaram suas flores em cima do caixão na sepultura encerrando assim esse momento difícil de despedida.
Entramos nos carros e fomos até um restaurante bem na frente da praça, os donos eram amigos de seu Osmar e preparam bastante comida. A parentada toda se reuniu pra almoço/Jantar afinal já estava quase escurecendo, e estávamos todos morrendo de fome.
Sentamos em uma mesa junto com Fabinho e Eduardo, comemos, depois foi mais um tempo de fala com um, abraça o outro… e finalmente entramos no carro e seguimos rumo ao sítio.
Sentamos na sala, papai, mamãe e Eduardo combinaram algumas coisas.
Mais um dia exaustivo, a noite terminou com um banho e cama.
Eu deitei na parte de cima da beliche , Fabinho na parte de baixo e Eduardo na outra cama, apagamos.💤

Acordei ouvindo vozes, olhei pra baixo não ví Eduardo, desci da cama Fabinho também não estava.
Papai, mamãe dona Rita e seu Adaílton conversavam na sala.
-Bom dia, os cumprimentei
-Ô meu filho, vamos já tomar café disse papai.
– Fabinho? perguntei
-Foi no curral com Eduardo pegar leite.
Fui ao banheiro fiz tudo que precisava fazer lavei o rosto pra melhorar minha cara amassada de sono, tirei o pijama vesti uma camisa e uma bermuda.
Fabinho e Eduardo apareceram com um balde cheio de leite.
Dona Rita despejou o leite em um caldeirão e pôs pra ferver.
Ficamos conversando á mesa, Eduardo e Fabinho não se desgrudaram fazia mais de ano que não se viam.
Eduardo parece ser um rapaz muito bom, conversamos um pouco também, ele me perguntou sobre a escola, falamos até sobre jogos…
Eu estava sempre por alí prestando atenção nas conversas principalmente quando tocavam no assunto sobre Fabinho. O que vão fazer a respeito dele agora?.
Ele vai ficar aqui morando com a tia e a avó? Afinal aqui é a casa dele, esse sítio é dele…e tanto dona Rita como seu Adaílton comentaram estar dispostos a cuidá-lo.
Eduardo também disse que se Fabinho quisesse o levaria consigo pra São Paulo. Ele tinha uma união com uma moça, porém pelo que seu Osmar havia contado a papai os dois viviam em um looping de junta e separa, parece que no momento estavam separados. Mas Eduardo é o irmão mais velho, pelo que ouví mamãe comentando legalmente em um primeiro momento naturalmente , a tutela de Fabinho é dele.
A outra opção obviamente é a que eu desejo. Ele ir morar em Teresina conosco, lá ele teria a mim, mamãe e papai e até Cidinha e Flávia que o amam.
Teria acesso a uma educação de qualidade, poderia estudar na mesma escola que eu,até alguns dos meus melhores amigos gostam dele, acolhimento não lhe ia faltar.
Porém tudo isso estava sendo comentado e cogitado de maneira muito sutil, leve e discreta. Mamãe com sua habilidade estava conduzindo as conversas bem pela beirada… até porque ainda é muito cedo pra decidir qualquer coisa.
-Vamos esperar o luto passar, botar a cabeça no lugar, Fabinho se sentir confortável e junto com ele decidir o que é melhor pra ele… comentou mamãe.
Papai marotamente deixou escapar que teria uma conversa com Eduardo em breve, dependendo do resultado da conversa poderia inclusive haver novas alternativas.
Fiquei curioso e em se tratando da cabeça engenhosa do meu pai pode surgir qualquer coisa!
Eu estava envolto em meus pensamentos imaginando cada possibilidade, como seria a vida de Fabinho em cada uma delas, como ficaria entre mim e ele…viajei no fantástico mundo de Bob .
-Filho vamos almoçar, Tiago, Ô Tiago!
-O que?
-Almoçar. disse mamãe
-Ah, disse ainda meio desligado do planeta.
Papai havia pedido pra o casal do restaurante preparar um almoço e entregar no sítio.
Seria uma forma de todos descansar e confraternizar em memória do seu Osmar. Uma ótima solução por sinal.
Hoje é sexta, vamos embora amanhã cedo, Eduardo vai ficar conosco em Teresina até segunda a noite, a empresa onde ele trabalha lhe deu cinco dias de folga.
Almoçamos, depois Fabinho sentou do meu lado em uma rede sobre a sombra de uma árvore,ele me olhou e conseguiu esboçar um sorriso suave, sorri de volta.
Nós temos o dom de se comunicar apenas pelo olhar, numa mesa em frente a casa todos estavam conversando contando causos, rememorando coisas, as vezes alguém chorava um pouco, a avó de Fabinho estava sentada em uma cadeira de balanço com o olhar fixo totalmente alheia ao que se passava. É…a vida continua!

Continua…

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13 Comentários

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  • Responder greenbox amigobc ID:1euidvtms2tr

    Desculpa ai NETx bugo o site os comentários sempre entra na hora agora tem varios

  • Responder greenbox amigobc ID:5dkw5c5ezyj

    Mais um capítulos esse fiquei muito emocionado é muito forte meu amigo esse realmente lembra a minha infancia com meu amigo nos conhecemos nos conhecemos aos 11 anos só que a vida o levou em um acidente de carro ficamos juntos por 2 anos realmente nossa vida é uma linha cruzada mesmo um belo título pena que esse povo cnn não leva a sério. As pessoas me dizem que a tristeza vai desaparecer, e as lágrimas chegarão ao fim.
    Eu luto e eu devo completar minha jornada,
    E então talvez eu encontre a felicidade novamente. um abraço parabéns por mais este capítulo.

    • NETx ID:xlp08b0i

      Valeu greenbox, em breve escrevo a continuação.
      Força aí, abs

  • Responder MRL ID:7xcdrlf20b

    Muito bom

    • NETx ID:xlp08b0i

      Feliz que esteja gostando MRL

  • Responder paulo cesar fã boy ID:3ij0y0lim9d

    me emocionei muito com esse capitulo.

    • NETx ID:1dmia3ep4hoe

      Escrever esses dois últimos capítulos foi pesado paulo. Eu sinto a emoção dos personagens!
      Abs

  • Responder greenbox amigobc ID:1dqxppzus3tw

    As pessoas me dizem que minha tristeza vai desaparecer, E minhas lágrimas chegarão ao fim.
    Eu luto e eu devo completar minha jornada,
    E então talvez eu encontre a felicidade novamente.Cara você me fez me emocionar mais uma vez, este capítulo resume a minha vida.
    Meu amigo eu tenho impressão que esta história não é apenas um conta é um fato real é um desabafo.
    Muito obrigado por compartilhar .
    parabes NETx abraço!!!!!!!!!!!!!!!

    • NETx ID:1dmia3ep4hoe

      Que bom que está apreciando greenbox, muitas vezes é a vida que imita a ficção!!!

  • Responder Star ID:h5hn7tt0c

    Nossa que sensibilidade esse conto, rico em detalhes. Espero que os nossos meninos fiquem bem e juntos se for possível.

    • NETx ID:1dmia3ep4hoe

      Valeu Star, em breve novidades capítulo com o desenrolar sobre os dois.

  • Responder Jozeto ID:8eez5vpd9a

    Muito triste. Assim são as despedidas, o pai do Fabinho se foi com muita honra e dignidade, espero que ele possa ficar com o Tiago na cidade dele.
    Parabéns pela linda história, meu desejo era que ela continuasse para sempre, fiquei muito feliz de ver que existe mais uma pessoa que escreve tão bem quanto você.

    • NETx ID:1dmia3ep4hoe

      Valeu Jozeto, vai mais alguns capítulos ainda.
      Abs