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O menino de olhos verdes – 1

2669 palavras | 11 |4.56
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Quando minha mãe virou a esquina, o frio na barriga piorou cem vezes. Minhas mãos voltaram a tremer e eu abracei meu corpo. A nova escola estava mais assustadora que nunca… não pela aparência, muito pelo contrário, a escola era incrivelmente bonita. O que me assustava ali eram pessoas… eu já tinha vindo aqui antes, porém num horário onde não tinha nenhum aluno. Era o segundo semestre. Eu provavelmente seria o único garoto desse lugar que não teria amigos, que não conheceria ninguém. Isso não me deixava nenhum pouco tranquilo. Quanto mais o carro se aproximava do portão da escola, mais eu sentia o suor escorrendo pela minha testa. Um suor frio como o inverno em que estávamos. O carro parou e meu nervosismo não parava de aumentar. ― Lucas, está bom aqui? ― Minha mãe me perguntou quando parou o carro de vez. ― Está sim, mãe… ― Eu respondi e fiquei sem reação. ― Tudo bem, boa sorte lá, filho… Eu abri a porta do carro e coloquei apenas um pé para fora. ― Mãe? ― Eu a chamei. ― Oi, filho? ― Você não pode mesmo ir comigo? ― Lucas! Você sabe que eu não posso me atrasar para o serviço! Anda logo! Todos seus documentos estão nessa pasta! Vai dar tudo certo! Agora vai! ― E ela apontou o dedo para fora. Me deu foi vontade de chorar… ela não precisava ser tão grossa! Peguei a pasta com minhas coisas e meus documentos e saí do carro. Mal fechei a porta, mamãe deu partida e sumiu. Vamos lá Lucas, não é tão difícil. Um passo atrás do outro. Comecei a caminhar em direção a escola. Fui me aproximando de alguns grupinhos de alunos, conforme chegava perto do portão. Não teve uma criança que não me olhou de ponta a ponta. Me senti julgado até a alma. Eu não só era o único menino sem amigos ali, como também era o único menino sem uniforme. Todo mundo usava a camiseta branca com as mangas azuis escuras e com um grande símbolo do Colégio Nova Aliança. Continuei andando e aguentando firme. Para minha sorte, cheguei logo na secretaria de ensino. Foi um alivio quando entrei na sala e só tinha uma secretária ali. Finalmente alguém que não me julgaria… ― Bom dia! ― Ela me recebeu com um sorriso no rosto. ― Oi… ― Eu respondi um tanto tímido. ― Eu sou o Lucas… vocês pediram para eu que viesse aqui hoje, às sete da manhã… ― A mulher continuou me olhando sem responder nada. ― É… são sete da manhã… ― Eu disse por fim. ― Certo! Lucas! É a respeito da matrícula, né? Então… é a diretora que vai falar com você… mas ela ainda não chegou, se você quiser esperar um pouco, ela deve estar chegando daqui a pouquinho. Se você quiser se sentar no sofazinho, ali dentro da sala dela, é só entrar e aguardar lá. ― Okay… ― Eu disse e agradeci… ― obrigado… ― De nada, fique à vontade. A sala da diretora ficava dentro da secretaria de ensino. Eu entrei na sala e para minha surpresa tinha um garotinho sentado no sofá. O garoto era baixinho, tinha os olhos e os cabelos castanhos. Ele era magrinho e tinha a pele branquinha. Ele usava calças beges, uma camisa social de mangas longas, um colete de lã por cima, e uma gravatinha. Ele parecia um pequeno empresário, devia ter seus oito ou nove anos. Estava com o cabelo penteado para o lado e sua mochila era uma maleta. Resumindo… ele era gato. Eu e ele trocamos olhares, mas não dissemos nada, apenas me sentei no sofá, tentando ficar o mais distante dele o possível, timidez mesmo… ficamos sentados no sofá por uns dois minutos. Estava constrangedor ficar ali. Eu queria muito puxar conversa com ele, para quebrar a tensão, e pelo jeito que ele tentava me olhar de canto de olho, parece que ele também queria conversar. Vamos lá, Lucas! Não é tão difícil! É só estender a mão e dizer ‘Oi’… o que acontecer depois, aconteceu. Vamos! Erga essa mão! Eu olhei para ele e ele olhou para mim. Virei a cabeça o mais rápido possível para disfarçar. Vamos, Lucas! Qual é! Ele parece ser um menino legal… é só estender o braço e dizer uma porra de ‘Oi’… tudo bem… e se você disser “Oi, eu sou o Lucas?”… é… acho que assim é melhor… ― Você está bem? A voz dele quebrou minha linha de raciocínio. Eu mal ouvi a pergunta dele. Eu fiquei tão nervoso quando ouvi ele falar que apenas estendi meu braço e gritei: ― E EU SOU O LUCAS! SEU IDIOTA! Nossa! Que vergonha! O que foi que eu fiz? O que ele vai pensar de mim agora? Ele vai achar que eu sou maluco. Eu olhei a cara dele e ele ficou sem entender nada. ― Oi… Lucas… eu sou o Arthur… Eu estava vermelho de vergonha. Senti minha face ficar rubra. ― Oi… Arthur… ― Lucas, é uma honra te conhecer, eu queria te dar os parabéns! ― Eu não entendi bem o que ele quis dizer com isso… será que ele estava me zoando? ― Parabéns? Por que? ― Eu perguntei, tentando, o máximo possível, não parecer um idiota. ― Você que é o Lucas Montenegro, não é? O primeiro lugar no concurso de bolsas? ― Sou eu… ― respondi tímido. Essa era uma coisa que eu não queria que ninguém soubesse… esse tipo de coisa afasta amigos… as pessoas começam te achar exibido e param de falar com você. Mas parece que o garotinho reconheceu meu esforço. ― Eu sou Arthur Lopes, segundo lugar! ― Uhum… ― eu respondi e olhei para baixo. Ficamos em silêncio por mais uns trinta segundos. ― Então… você já tem algum amigo aqui? ― Não… ― eu respondi sem graça. ― Você? ― Também não… ― Isso chamou minha atenção. O garoto estava na mesma situação que eu… ― Quer ser meu amigo? Nossa! NOSSA! Caraca! A pergunta dele encheu meu coração de alegria. Eu olhei para ele e não contive o sorriso. ― Quero, Arthur! ― Eu respondi, empolgado até demais… ele riu. ― Eu não sabia que tinha que vir com roupas sociais… ninguém me avisou nada… ― Relaxa! Isso daqui é coisa do meu pai… ele insistiu que eu viesse assim para causar uma boa impressão nas pessoas… ― Acho que funcionou… causou uma boa impressão em mim… ― eu respondi. Senti a timidez ir desaparecendo. ― Eu não tenho uma roupa social assim, deve ter custado uma fortuna, não? 8 ― Nem custou… é de um primo meu. Ele já cresceu e suas roupas de aluno de ouro já não o servem mais, daí ele me deu. ― Ele explicou. ― Nossa! Você já deu uma olhada nessa escola? Aqui tem uma biblioteca gigante, tem quadra, piscina, um refeitório enorme! Não é à toa que a mensalidade aqui custa uma fortuna! ― Né!? ― Eu respondi concordando completamente com ele. Ser um aluno bolsista era a única maneira de eu estudar aqui… venho de uma família que não tem muito dinheiro. Meus pais são muito humildes e simples. Esse ambiente da classe alta era completamente novo para mim. Eu não estava acostumado com tanto luxo… ― E qual sua matéria favorita? ― Ele perguntou, tentando não deixar a conversa morrer… ― Matemática! ― Eu respondi, feliz que a conversa estava se desenrolando bem. ― Hahaha! Tinha que ser! A minha também! Acertei quatorze de quinze questões na nossa prova… ― Quinze de quinze… ― eu respondi zombando dele, de maneira carinhosa. ― Hahahaha! Legal, você é foda! ― Fiquei feliz com o elogio dele. ― E quantos anos você tem? ― Ele me perguntou. ― Tenho onze. ― Respondi. ― Ah… parabéns… mas é uma pena… você deve estar no… sexto ano? ― Ele disse lamentando. ― Sim… ― eu respondi. ― Eu tenho doze, já estou no sétimo… DE JEITO NENHUM ESSE GAROTINHO TINHA DOZE ANOS! Ele era uns dez centímetros mais baixo que eu! Ele tinha uma carinha de oito anos! Como assim ele era mais velho que eu??? ― Não! Fala sério! Você tem oito anos! ― Hahahaha! Todo mundo fala isso, é que eu sou baixinho mesmo… ― Caraca! Não acredito que você é mais velho que eu… Hahahahaha! Rimos disso e ficamos em silêncio por um momento. ― Cara… não é por nada não, mas seus olhos são lindos! ― Ele me disse com toda meiguice do mundo. Nossa! Fiquei morrendo de vergonha, não sabia onde enfiar a cara… ele fez com que minha cara ficasse quente e vermelha de vergonha. ― Obrigado… ― respondi sem graça. ― Os seus também são lindos… ― Nem são! São castanhos-sem-graça… e recentemente estou ficando meio cego… não me surpreenderia se precisasse usar óculos… Eu dei um risinho. Ficamos em silêncio por mais um momento. ― Ei, Olhos Verdes, onde você estudava antes? E assim continuamos a nossa conversa. Nesses quinze, quase vinte minutos de conversa, ficamos muito amigos. Ele começou a me chamar disso… de Olhos Verdes… toda hora que dirigia a palavra a mim. ― Por que você tá me chamando assim? ― Eu perguntei. Não que eu não estivesse gostando, era bem fofo vê-lo me chamar assim, mas eu fiquei indignado. ― É seu apelido… ué… ― Ah, é? ― Eu perguntei. ― Quem disse? ― Eu… ué… ― Ah, é assim? Então tá… mas se você tem direito de me dar um apelido, eu também tenho direito de te dar um… ― Acho que você tem um ponto… ― Ele disse. ― E qual vai ser meu apelido? ― Ele me perguntou. ― Dez… ― Eu respondi. ― Dez? Por que? Eu sou o Nota Dez? ― Ele perguntou se achando todo. ― Nada disso… ― Eu expliquei… ― Você é o Dez Anos… ― E não economizei na risada. ― Nãããããoooooo ― Ele disse e me deu um empurrãozinho no braço. Enquanto nós dois estávamos nos acabando na risada, a diretora entrou na sala. Ele ficou de pé, juntou as duas mãos em frente ao corpo e segurou o riso. ― Bom dia! Diretora Lúcia! Eu fiquei sem reação e apenas levantei do sofá, quando a diretora chegou. ― Bom dia meninos! Vejo que já se conheceram e estão se divertindo! Isso é bom! Depois de vermos que a diretora era gente boa, nós dois relaxamos mais um pouco. ― Sentem-se! Por favor! Gostaria de parabenizá-los em nome de toda escola! Vocês são os dois alunos selecionados para receberem uma bolsa de estudos de cem por cento aqui no Colégio Nova Aliança. Vocês dois foram os melhores colocados no concurso. Parabéns e sejam bem-vindos! ― Obrigado, Senhora Diretora! ― Arthur respondeu. ― Obrigado… ― eu respondi em seguida, com um pouco mais de timidez. ― Sintam-se em casa! A Nova Aliança é o novo lar de vocês! Qualquer coisa que precisarem podem me chamar! Agora vamos fazer a matrícula de vocês… trouxeram os documentos que foram solicitados? E assim fizemos nossa matrícula. Fiquei bem feliz de fazer junto com Arthur, quando eu não entendia o que a diretora me perguntava, da parte burocrática, ele me explicava e me apoiava. Todos os documentos que eu tive dificuldade de achar, ele procurou para mim na minha pasta. Fiquei feliz de poder contar com ele. Eu tinha acabado de fazer um amigão! Ele queria ser meu amigo tanto quanto eu queria ser amigo dele. E estava funcionando para nós dois. Todo nervosismo e medo que eu estava guardando desde às sete da manhã tinham sumido. Quando terminamos a matrícula a diretora disse: ― É isso meninos, agora vocês são oficialmente alunos do Nova Aliança! Vocês começarão já no próximo horário, às nove, pois já são oito e meia! Arthur, a Flávia, nossa secretária, te acompanhará até a sua sala… e Lucas, eu te levo até o sexto ano! Podemos ir? E lá se foi meu amiguinho Arthur. ― Até mais, Olhos Verdes! Nos encontramos no recreito! ― Ele se despediu de mim. ― Tchau… Dez… ― E nós dois rimos. Erámos os únicos que sabiam o verdadeiro significado do apelido ‘Dez’. Quando ele saiu da sala com aquela Flávia, senti o nervosismo voltar a tomar conta do meu corpo. A diretora foi na frente e eu atrás. Conforme ela ia andando, ela ia me mostrando a escola. Eu nem estava prestando atenção no que ela estava dizendo. A única coisa que eu conseguia pensar era na minha nova sala. Que tipo de pessoas será que eu iria encontrar lá? Me senti dominado pela insegurança novamente… indo de encontro com o desconhecido. Não demorou muito para eu avistar uma plaquinha na parede escrita ‘Sexto Ano’… o frio na barriga piorou. ― Chegamos Lucas, esta é sua nova sala! Ela disse e abriu a porta da sala. A professora que explicava a matéria parou e olhou para nós. ― Turma! ― A professora disse para o sexto ano. ― Parece que o aluno novo chegou! ― Minhas pernas ficaram bambas… ― Vai, Lucas! ― A diretora disse, fazendo sinal para eu entrar na sala. Eu caminhei, dando um passo de cada vez. Senti todos os olhares da sala se focaram em mim. ― Este é o Lucas! ― A Professora disse. ― Ele será o novo coleguinha de vocês durante o ano! Digam ‘Oi’ crianças! E todas as crianças da sala disseram ‘Oi, Lucas…’ em uníssono. Senti minha face ficar rubra. Com meus olhos, percorri todas as faces. Uma por uma, observando cada menino e cada menina, e o que estavam fazendo. Foi quando meus olhos se cruzaram com os de um garoto que sentava no fundo da sala. Ele era perfeito. Simplesmente perfeito. Era parecia ter seus onze ou doze anos e tinha um cabelo loiro perfeito, com uma franja dourada e reluzente. Sua pele era branquinha e suas bochechas rosadas. Senti seus olhos penetrarem o fundo da minha alma. Olhos azuis… olhos perfeitos. Quando nossos olhos fizeram contato, ele sorriu. E que sorriso perfeito era esse! Nossa! Me derreti todo… ― Lucas, eu sou a professora Daniela! Dou aula de português! Fique à vontade e escolha um lugar. Eu olhei para trás e a diretora fez um jóia com o polegar. Eu sabia que ela tinha que ir embora, então fiz o sinal de positivo com o polegar, como resposta. Ela entendeu e foi embora. Eu observei a sala e vi que o único lugar vago estava localizado ao lado do garoto loiro. Eu não queria me sentar perto dele… eu morreria de vergonha… não saberia como agir… mas não tinha escolha. Conforme fui caminhando, os olhos foram se esquecendo de mim. Cheguei no fundo da sala, onde conseguia ver todo mundo sem que ninguém me visse. Sentei ao lado do garoto loiro. Olhei para ele e ele olhou para mim. Depois, fingi não dar bola. A professora retomou a aula. Peguei uma folha na minha pasta e percebi que não tinha nenhum lápis para poder escrever. Pensei em pedir emprestado para alguém. Olhei ao meu redor, procurando alguém que parecesse legal e que pudesse me emprestar um lápis. Foi quando eu senti uma mão tocar meu braço. Eu me arrepiei todo. Foi como levar um choque. O toque dele era suave e extremamente excitante. ― Precisa de um lápis, Lucas? ― Era o garoto de cabelos loiros. Ele estava me oferecendo um lápis. Eu não acreditei. Olhei ele nos olhos. Ele era lindo. Ele era perfeito. Ele estava sorrindo radiante, como um príncipe de onze anos. ― Obrigado… ― Eu respondi tímido e tomei o lápis da mão dele. ― Eu sou o Rafael… pode me chamar de Rafa…

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11 Comentários

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  • Responder The man ID:mujyc2d9b

    Isso me lembrou muito Dois Mundos do Kadu Coelho, foi um conto e tanto, continua!

  • Responder Marcos Mondadori ID:6stwyka7m3

    Uma beleza de introdução para contos de sexo, putaria. Espero que não haja desapontamentos crianças nao são adultos mas não demore para que tenhamos uma transa só não venha com meninos gozando horrores porque isso não existe. Estamos entendidoa?

    • Seila ID:5pbaf67z6ij

      Pelo andar da história vai demorar um pouco ainda para ter alguma coisa, mas vale ler cada momento dela. a cada capítulo vai ser um mix de sentimentos. Tenho uma relação de amor e ódio com a historia kkk

  • Responder Anon ID:3ynzegw5qrk

    Alguém aqui é do tempo da ap?

  • Responder Malfoy ID:469cz532v9a

    Quando vai terminar a festa 2?

    • Seila ID:g61zt7bv1

      Esse conto vem antes do conto da festa. A festa é a continuação desse, eu já li a historia completa

  • Responder Peepoo ID:h5ijpvzrd

    Já li essa história completa. Boa demais

    • Seila ID:g61zt7bv1

      Eu também já li. Tenho uma relação de amor e ódio com essa história

    • Anon ID:3vi1ew3ifik

      Onde vc leu?

    • Seila ID:5pbaf67z6ij

      Eu li atraves de um amigo que me mandou a historia completa a um tempo atrás, mas eu perdi ela. Agora só fica na memória essa história perfeita que gosto e odeio ao mesmo tempo

  • Responder JohnDeere ID:3ynzegw5qrk

    Muito bom