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Assuntos de Família: Parte 1 – O segredo dos nossos pais

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O que constitui uma família?
Alguns podem dizer que são os laços de sangue, outros que é a ligação afetiva. Há quem diga que a família é feita da cumplicidade entre as pessoas e dos sacrifícios que estas se dispõem à fazer umas pelas outras. Tradições, memórias boas e ruins, vitórias e derrotas coletivas. Vários são os pilares que sustentam uma família, mas o principal deles é algo bem pouco comentado.
Uma família é feita de segredos.
Segredos que envolvem todos os indivíduos de determinado círculo de convivência. Segredos que pairam sobre essas relações. Segredos que são discutidos na mesa de jantar, longe dos ouvidos externos à família ou simplesmente varridos pra baixo do tapete, mesmo que todos saibam daquele assunto não comentado.
Segredos guardados pelos membros daquele grupo chamado “família” que devem ser levados para o túmulo para preservar o bem geral do lar.
As vezes, esses segredos são compartilhados apenas por parte da família e escondidos dos outros membros. Assim era a minha família até aquele dia fatídico.
Nossa família era bem peculiar mesmo antes de tudo que acabou acontecendo.
Éramos cinco em casa: meus pais, minha irmã gêmea, eu e nosso irmão caçula. Mais ninguém! Nenhum avô, nenhum tio, nenhum primo… Ninguém minimamente próximo de nós. Nunca entendi exatamente o motivo disso, mas havíamos crescido nessa realidade, então comemorar aniversários e outras celebrações familiares apenas com esse pequeno grupo sempre foi algo totalmente natural pra todos nós.
Antes de qualquer coisa, deixem-me apresentar minha família. Talvez fique mais fácil de entender nossa dinâmica em casa e também os rumos que nossa relação tomou nos últimos anos.
Por ordem decrescente de idade, no topo da casa estava o chefe de família; meu pai. “Seu Heitor”, como era chamado pelos vizinhos não condizia muito com essa alcunha normalmente dirigida à homens de mais idade: papai tinha 47 anos nessa época, era bem simpático e carinhoso, extremamente responsável e muito trabalhador. Sendo o perfeito modelo de “homem de bem”, meu pai também era um homem muito bonito e charmoso de um jeito “maduro”, se é que me entendem: era bem corpulento e entroncado, tinha cabelos escuros com algumas poucas mechas grisalhas, usava uma barba aparada rente ao rosto e tinha braços, pernas, peito e barriga cobertas por pelos escuros e macios.
Papai tinha uma voz de locutor de rádio e sua risada era extrovertida, ecoando alto por onde quer que estivesse. Essa mesma voz também se encaixava bem nos momentos de falar sério; fosse para nos repreender por alguma travessura, fosse para nos acolher nos momentos de fragilidade. Seu Heitor sempre foi um homem muito carinhoso com a família: um pai presente e atencioso, além de um marido prestativo, respeitoso e cheio de amor para com minha mãe.
A figura materna da casa era a “Dona Mariana”, minha mãe. Nessa época ela tinha 40 anos, havia parado de trabalhar depois do nascimento do meu irmão mais novo e vivia muito feliz como uma típica e tradicional dona de casa. Mamãe cozinhava bem, costurava bem, nos ajudava no dever de casa, gerenciava as contas da família com maestria e, principalmente, cuidava para que sua prole tivesse a melhor criação possível.
Minha mãe também era uma mulher muito bela aos meus olhos (e também aos olhos dos homens que assobiavam pra ela quando íamos ao centro da cidade fazer compras): tinha cabelos curtinhos e escuros (embora um pouco mais claros que os de meu pai), a pele branquinha e cheia de sardas escuras no rosto, no busto e nos ombros, além de um sorriso que iluminava a nossa casa e as nossas vidas.
Não tinha um corpo muito voluptuoso, mas tinha seus atributos femininos: coxas roliças e macias, quadris largos, uma bunda razoávelmente grande e (nessa época) com bastante celulite, peitos médios e um pouco caídos com mamilos escuros e largos. Mamãe tinha uma barriguinha que começava à ficar flácida pela idade e pelas duas gestações, mas isso só acentuava suas curvas e, combinada ao restante de seu corpo, lhe dava aquele clássico visual de “MILF”.
Como sempre fomos um tanto quanto permissivos com nudez em casa, era normal ver minha mãe transitando nua ou semi-nua pela casa, o que nos permitia conhecer outros detalhes de seu corpo que o resto do mundo não via, especialmente, sua buceta bem peluda (assim como suas axilas) coberta de fios escuros, grossos e longos que subiam sinuosamente até a altura do umbigo.
Aqui vale citar que papai também não se incomodava em ser visto nu pela casa, então logo cedo eu descobri que meninos e meninas tem coisas diferentes entre as pernas. Como esses vislumbres nunca tiveram qualquer caráter erótico, eu nunca havia visto seu pênis ereto (assim como nunca tinha visto a buceta de mamãe aberta).
O casal havia se juntado ainda na juventude e se mudado para a pequena cidade onde vivíamos aquela realidade simples, porém confortável. Quando mamãe estava com 28 anos e papai estava com 35, já estabilizados profissionalmente e com uma casa pronta para aumentar a família, meus pais decidiram finalmente engravidar.
Para a surpresa deles, o que deveria ser um primeiro filho para pais de primeira viagem revelou-se uma gravidez de gêmeos: duas meninas de gestação univitelinea que vieram ao mundo numa noite de muita chuva que fez com que papai quase capotasse o carro na avenida central da cidade enquanto corria para o hospital (história que sempre era contada lá em casa).
Como uma boa família tradicional, meus pais batizaram as gêmeas com nomes iniciados pela mesma letra: eu recebi o nome Vanessa (carinhosamente apelidada de “Van”) e minha gêmea foi chamada de Victória (“Vic”, para os íntimos).
Criadas quase como uma extensão uma da outra, Vic e eu sempre fomos muito próximas e amigas uma da outra! Fazíamos TUDO juntas desde pequenas: brincávamos de boneca, desenhávamos, estudávamos na mesma classe, compartilhávamos músicas, filmes, livros e, claro, segredos. Vic era minha companheira, minha confidente, minha cúmplice… Era minha “alma gêmea”, como gostávamos de brincar.
Aos 12 anos, nós duas éramos um reflexo quase perfeito uma da outra e muitos só conseguiam nos diferenciar pelas roupas (já que até nossa personalidade era muito parecida). Éramos altas pra nossa idade naquela época (já beirando os 1.70), tínhamos cabelos escuros e lisos como os de nossos pais e sempre mantínhamos um corte mais ou menos no meio das costas. Nossos corpos não eram muito desenvolvidos ainda, então tinhamos poucas curvas (até por sermos relativamente magrinhas), bundas redondinhas ainda em formação, coxas até que definidas, mas ainda finas, peitos que mal começavam à criar forma e volume e, como ditava a genética, estávamos começando à ter pelos em todo o corpo.
Ainda hoje me lembro quando, cheia de empolgação, minha irmã entrou correndo no meio do meu banho pra mostrar seus primeiros pentelhos ao que eu retribuí mostrando minha leve penúgem nas axilas. Isso foi com uns 10 ou 11 anos, então naquela época, nós duas já tínhamos vulvas e suvaquinhos cobertos por pelos ralos e escuros que ostentávamos com orgulho (já que nos davam à sensação de estarmos “virando mocinhas”).
Essa questão da puberdade, aliás, era uma das poucas diferenças entre nós duas: no início daquele ano, Victória teve sua primeira menstruação que desceu no meio da noite e causou um certo pânico quando ela acordou, mas eu, aos 12 anos, ainda não tinha passado pelo meu primeiro ciclo.
Sendo tão próximas e companheiras uma da outra, foi bastante natural que Vic e eu compartilhássemos algumas experiências em nossas descobertas sexuais ao longo dos anos: foi olhando uma pra outra no banho que passamos à reconhecer a anatomia de nossas vaginas, por exemplo. Também foi em dupla que tocamos a primeira siririca escondida da família enquanto olhávamos uma revista erótica contrabandeada com a ajuda de um colega da escola e, certa vez após assistirmos à um filme romântico, nos enfiamos sob as cobertas e demos nosso primeiro beijo na tentativa de aprender como é que aquilo tudo funcionava.
Foi apenas um selinho, claro, mas era reflexo de toda a cumplicidade que nos unia: mesmo aquele primeiro beijo inocente e sem jeito jamais poderia ser trocado com o mesmo amor se fosse com alguma outra pessoa. Nos anos seguintes, nunca passamos disso em nosso companheirismo: embora tivéssemos o costume de trocar beijinhos escondidas, isso era mais como um “treino” para quando tivéssemos nossos namorados do que qualquer outra coisa.
Nunca havíamos transado e sequer masturbado uma à outra naquele tempo. Nosso amor era algo muito puro; não era um afeto romântico e muito menos sexual! Eu a amava por ela ser minha irmã e minha melhor amiga e não sentia qualquer atração especial pela Vic, já que olhar pra ela era quase como me ver no espelho.
Voltando um pouco no tempo, quando estávamos com 4 pra 5 anos, nossos pais resolveram que ainda tinham muito amor pra dar e anunciaram que a família ia crescer mais um pouco, pois mamãe estava grávida novamente! Diferente de outras crianças, Vic e eu não ficamos com ciúmes ou algo do tipo, mas sim animadas com a possibilidade de ter outro amigo em casa. Também foi um período de aprendizado, pois ver nossa mãe em gestação abriu portas pra uma série de perguntas que sempre foram respondidas com a maior sinceridade e didática tanto pela mamãe quanto pelo papai.
Nove meses depois, veio ao mundo mais uma criança de cabelos pretos: meu irmão Vitor, um menino esperto desde cedo, muito curioso, sempre disposto à brincar e, talvez por ser o caçula (tradicionalmente mais mimado pelos pais), extremamente amoroso e gentil.
Na época em que se passa meu relato de hoje, Vitor estava com seus recém-completados oito anos e era um garotinho muito fofo, super falante e, mesmo nessa idade, já demonstrando características que faziam com que Vic e eu começassemos à nos preparar para ter um irmãozinho assumidamente gay no futuro. O jeito extremamente sensível e “feminino” do meu irmão nunca foi um problema pros nossos pais e Vitor jamais foi repreendido ou constrangido pela forma como se portava (nem mesmo quando pediu para meu pai lhe comprar um caderno da Hello Kitty para seu primeiro ano na escola, algo que foi atendido sem qualquer questionamento).
Pois bem, agora que vocês já conhecem os personagens deste cenário que era nossa casa, posso começar à contar-lhes o evento que fez cair nossa estrutura de família convencional e também nos permitiu usar seus escombros para erguer uma nova vida.
Estávamos voltando pra casa após a escola numa tarde bem quente de verão. Carregando nossas mochilas nas costas, Victoria e eu andávamos lado a lado pela calçada cada uma segurando uma das mãozinhas de Vitor que saltitava entre nós duas tagarelando sobre o que havia aprendido na aula aquele dia.
Nossa escola ficava apenas alguns quarteirões de distância de casa, então levamos pouco mais de 10 minutos naquele trajeto escaldante enquanto trocávamos amenidades sobre lições de casa, músicas da Lady Gaga e coisas do tipo. Também estávamos muito empolgadas naquela tarde em especial, pois Vic tinha me passado um bilhetinho durante a aula dizendo que um menino havia pedido pra ficar com ela no intervalo. Estávamos apenas esperando chegar em casa pra despachar o Vitor pro banho e correr pra algum canto trocar segredinhos.
Também me forcei à lembrar que tinha que pedir alguns documentos para a mamãe, pois a diretora havia solicitado que todos os alunos levassem cópias das identidades de um responsável no dia seguinte, comprovantes de residência e coisas do tipo para atualizar nossos registros para a rematrícula.
Finalmente chegamos em casa, gratas pelo alívio daquele sol implacável e Vitor já foi correndo para o único banheiro da casa, pois queria tomar banho logo pra poder assistir seu desenho favorito que estava prestes à começar. Mamãe havia saído, mais deixara um bilhete dizendo que precisou ir ao banco, mas que voltava logo e que não era pra ficarmos comendo besteira antes da janta.
Victoria e eu nos apressamos em correr pro nosso quarto, fechamos a porta e, sentadas na cama inferior da beliche (a minha), demos um gritinho contido na tentativa de externalizar nossa empolgação juvenil com aquela futura conquista que aconteceria no dia seguinte: finalmente uma de nós ia beijar um rapaz (um bem bonito, aliás).
– Me conta tudo, Vic!!!
– O que tem pra contar, ué?! – ela mal conseguia conter o risinho.
– Como “o que tem pra contar”?! O que foi que ele disse? Como ele chegou em você?
– Foi naquela hora que eu saí da quadra pra beber encher nossas garrafas, lembra? – eu só concordava com a cabeça – Então! Quando eu fui no banheiro, veio aquela menina lá do quarto ano, sabe? Acho que é prima dele, sei lá… Enfim! Ela disse que ele falou pra ela falar pra mim que ele me achava bonita e perguntar se eu queria ficar com ele!
– E você?! Falou o que?
– O que você acha, Vanessa?!?!?!
Demos mais um daqueles gritinhos de excitação.
– Mas onde vocês vão ficar amanhã?
– Não sei, Van! A menina não falou comigo depois. Será que eu mando um bilhete pra ele amanhã antes da aula?
– Mas vai escrever o que?
– Sei lá, Van! Me ajuda, vai!
– Tá, a gente pensa nisso juntas depois!
Ouvímos Vitor sair do banheiro e anunciar em voz alta que podíamos tomar banho.
– Vai você primeiro. – disse ainda empolgada – Tenho que ver o negócio lá da rematrícula.
– Tá, mas vai pensando no que eu posso escrever! – Vic respondeu enquanto se levantava e começava à tirar o uniforme apressada.
Minha irmã tirou a roupa e deixou meio jogada num canto como de costume (não que eu fosse a garota mais organizada do mundo), se enrolou numa toalha e saiu do quarto. Na sequência fiz o mesmo: tirei o tênis e as meias, joguei a calça e a camiseta na direção do cesto de roupas e, só de calcinha (já que nenhuma de nós duas usava sutiã ainda), fui descalça na direção do quarto dos meus pais.
Ambos eram muito organizados e mamãe sempre tentava manter todas as coisas em seu devido lugar, então havia uma pasta para os documentos de cada um guardadas no armário (identidades, certidões, carteiras de vacinação, etc.). Puxei as pastas dos meus pais, me sentei na cama e comecei à vasculhar em busca do que precisava.
Logo achei uma cópia da identidade do papai, mas pensei que talvez fosse melhor levar documentos de ambos, então também busquei a da minha mãe. Por curiosidade, dei uma olhada nas informações gravadas em ambos os documentos depois de rir das caras engraçadas que eles tinham saído nas fotos 3×4. Foi quando li algo que não fazia sentido algum.
Acima do nome completo da minha mãe, havia os nomes de seus pais: Antonio Carlos e Maria Cristina, meus avós maternos (de quem eu sabia pouco ou quase nada). Só que, na identidade do meu pai, constavam os mesmos nomes e sobrenomes no campo de sua afiliação. Antonio e Maria. Olhei a cidade natal de ambos e constatei que tanto meu pai quanto minha mãe eram naturais do mesmo lugar. Ainda confusa, vasculhei mais um pouco em busca das certidões de nascimento dos meus pais. Mesma cidade, mesmos progenitores, parto ocorrido no mesmo hospital e documentos lavrados no mesmo cartório. A única diferença real era a idade deles, porque até o escrivão que tinha registrado meus pais era o mesmo!
Fiquei em choque por um tempo, tentando processar aquela informação. Fiquei em negação à princípio, claro. Podia ser uma coincidência. Podia ser um erro, talvez. Eu podia ter lido errado, quem sabe?
Li novamente, tentando achar ali minha falha de interpretação. Mas não tinha como negar aquilo.
Atordoada, joguei os documentos de volta nas pastas e fiquei apenas com a cópia do RG da minha mãe que eu ainda ia precisar levar pra escola no dia seguinte. Fui andando meio em choque para o quarto, sentei na cama ainda segurando o papel com a xérox do documento e olhando meio aérea para a parede oposta.
Depois de um tempo, Vic entrou no quarto enrolada na toalha e com o cabelo molhado. Ainda mantinha aquele sorriso de garotinha ansiosa sem nem notar a expressão de incredulidade que eu estava.
– Sabe o que eu pensei agora, Van? – começou à falar empolgada enquanto tirava a toalha que a cobria e colocava na janela pra secar antes de procurar uma roupa na cômoda – Já pensou se ele gostar de me beijar amanhã e a gente combinar de ficar de novo? Você acha que ele ia notar se você fosse no meu lugar?! – finalmente olhou pra mim e toda aquela empolgação sumiu dando lugar à um olhar de preocupação – Ué, o que você tem?
– Mamãe e papai são irmãos. – disse sem rodeios, mas ainda chocada com aquelas palavras.
– Que? – Vic pareceu não entender o que acabara de ouvir.
– Eles são irmãos, Vic. – eu continuava olhando fixamente pra frente.
– Do que você tá falando, Vanessa? Endoidou, foi? – ela tentava me zoar, mas parecia assustada.
– Vai lá ver. – apenas estiquei o braço e lhe ofereci a identidade de mamãe. Ela ficou imóvei por um segundo, mas depois agarrou o papel e literalmente correu pra fora do quarto ainda pelada e com o cabelo pingando.
Passaram-se alguns minutos enquanto eu começava à me recuperar do choque inicial. Victoria entrou no quarto com um semblante pensativo e sério. Colocou o RG da mamãe sobre a cômoda, abriu uma gaveta e pegou o primeiro vestido que encontrou.
– E agora? – perguntei olhando na direção dela em busca de alguma ajuda para lidar com aquilo.
– E agora nada, Van… – foi o que ela respondeu bem séria e num tom de voz baixo.
– Como nada, Vic?
– Vamo esquecer isso… Sério. – ela continuava de costas pra mim enquanto se vestia – E não é pra falar nada pro Vitor.
– Eu não ia falar mesmo… Victoria, isso não tá certo…
– Todo mundo mente, Vanessa. – ela finalmente se virou pra mim e notei que estava chorando, mas tinha uma expressão dura no rosto.
– Eu não tô falando só da mentira, Vic! – abaixei a voz ao dizer aquilo – Eles são irmãos! Nossos pais são irmãos! Você tem noção do quanto isso é… Sei lá!
– Isso é problema deles, Vanessa! – ela falou de forma quase ríspida enquanto sentava na cama ao meu lado.
– É errado! Victoria! – segurei suas mãos entre as minhas e senti que ela estava tremendo.
– Chega, Van! – ela tirou as mãos das minhas e secou as lágrimas com o punho – Não fala mais nada sobre isso. Sério.
– Desculpa… – abaixei os olhos e senti que também estava prestes à chorar.
O assunto morreu ali mesmo. Ficamos apenas sentadas em silêncio por um tempo, até que tomei forças para levantar e finalmente tomar banho. Minha cabeça estava completamente bagunçada! Fiquei um bom tempo no chuveiro tentando organizar as ideias sem sucesso. Minha família inteira era sustentava sobre uma farsa de anos. Meus pais foram criados sob o mesmo teto, no mesmo núcleo familiar, com os mesmos valores e pelas mesmas pessoas. Eram fruto da união do mesmo pai e da mesma mãe que talvez nem soubessem o que acontecia em sua casa. Seria esse o motivo de vivermos longe de tudo e todos? Será que a família deles havia descoberto essa relação pecaminosa? Será que tudo isso teria começado de uma paixão entre dois irmãos ou seria meu pai um irmão pervertido que abusou da irmã mais nova? Ou talvez seria a pequena Mariana a verdadeira tarada da história, se insinuando pro irmão sete anos mais velho dentro da própria casa…
Eram muitas perguntas, nenhuma resposta e inúmeras possibilidades igualmente perturbadoras.
Ouvi minha mãe chegando em casa e me apressei para sair do banho. Não queria chamar atenção, pois sabia que, se ela notasse que havia algo errado e viesse perguntar, eu não seria capaz de omitir o que havia descoberto.
Saí do banheiro enrolada na toalha e vi minha irmã sentada no sofá assistindo TV com o Vitor. Mamãe estava na cozinha, então pude passar despercebida para o quarto e me vestir enquanto tentava me recompor o suficiente pra disfarçar minha perplexidade. Já vestida, respirei fundo e abri a porta do quarto.
Caminhei até a sala e dei de cara com minha mãe saindo da cozinha sorridente como sempre. Me esforcei pra emular um sorriso também.
– Oi, filha! – ela me disse dando um beijinho na minha testa – Como foi a aula hoje?
– Foi tranquila até. – respondi no automático.
Mamãe apenas sorriu de volta, aparentemente sem notar meu nervosismo. Me joguei no sofá ao lado dos meus irmãos e, pelas horas seguintes, fiquei assistindo a programação sem nem prestar atenção no que estava passando. Ao meu lado, ainda em silêncio, Victoria mexia no celular sem transparecer qualquer perturbação e Vitor, esgotado depois de passar o dia estudando e brincando na escola, capotou de sono no sofá mesmo.
Quando a noite caiu, papai chegou em casa vindo do trabalho. Vi de canto de olho quando minha mãe o recebeu com um beijo amoroso já na cozinha enquanto perguntava sobre seu dia. Notei também que a Victoria estava observando a cena assim como eu.
– Oi, meninas! – papai entrou na sala com aquele vozerão ressoando em nossos ouvidos.
– Oi, pai! – Vic respondeu num tom convidativo, mas eu a conhecia bem o suficiente pra saber que era falso – Como foi o trabalho?
– Cansativo, querida… – respondeu enquanto se curvava para que ambas déssemos um beijo de cada lado do seu rosto como costumávamos fazer – Vocês já jantaram? Tem lição de casa pra fazer hoje?
Negamos as duas perguntas com um aceno enquanto ele contornava o sofá e fazia um cafuné no cabelo do Vitor antes de ir para o banho.
– Eu já vou servir a janta! – a voz de mamãe ecoou da cozinha – Vão lavar a mão vocês duas.
– É pra acordar o Vitor, mãe? – perguntei enquanto Vic se levantava.
– Não, deixa ele dormir quietinho, filha! Qualquer coisa eu faço um lanche pra ele mais tarde.
Como papai estava no banho, fui para a área de serviço atrás da minha irmã que já lavava as mãos no tanque ainda com aquele mesmo semblante pensativo. Em silêncio, me coloquei ao lado dela e molhei as mãos sob a torneira. Enquanto ensaboávamos os dedos de forma quase mecânica, Vic segurou minha mão com carinho como se estivesse me ajudando à lavar entre os dedos.
– Desculpa ter falado daquele jeito com você. – ela disse baixinho e sem me encarar.
– Eu não fiquei brava… – respondi no mesmo tom.
– Depois do jantar a gente conversa direito, se você quiser.
– Não precisa, Vic…
– Vem, a mãe já deve ter colocado a mesa. – Victoria me cortou enquanto secava as mãos em uma toalha que estava no varal e voltava pra cozinha.
Foi o jantar mais tenso da minha vida inteira. Eu me esforçava pra manter as aparências e percebia que a Victoria estava no mesmo sofrimento que eu. Respondíamos às eventuais perguntas de forma direta, mas tomando o cuidado pra não parecermos muito evasivas. Comemos o mais rápido possível quase sem sentir o gosto da comida.
– Gente, eu já vou pro quarto, tá? – anunciei já me levantando.
– Essa hora, minha filha? – papai pareceu surpreso e olhou em seu relógio de pulso constatando que não eram nem 21h ainda.
– É que amanhã a gente vai mais cedo pra escola, pai. – Victoria me salvou – A professora pediu uma pesquisa em grupo, aí a gente marcou com o pessoal lá na sala de informática antes da aula…
– Tá bom então, meninas… – disse mamãe com um sorriso – Não é pra dormir sem escovar os dentes vocês duas!
– Sim senhora! – respondemos em uníssono antes de dar um beijo na bochecha de cada um e sair da cozinha. Dei um beijinho na testa do Vitor que ainda estava apagado no sofá e fui pro meu quarto logo atrás da Victoria.
De porta fechada, mas com a janela aberta, Vic e eu tiramos a roupa que estávamos usando e vestimos nossas roupas de dormir: eu usava um pijaminha completo com blusinha e short finos enquanto minha irmã ficava mais à vontade usando um camisetão de algodão que batia no meio das coxas.
Minha irmã apagou a luz ainda em silêncio e, ao invés de subir para a sua parte do beliche, sentou-se de pernas cruzadas na minha cama me encarando na penumbra.
– Só vamo falar baixo, tá? – Vic disse sussurrando.
– Tá bom… Como tá se sentindo sobre isso?
– Não sei, Van… De verdade! – sua voz parecia meio chorosa, então segurei suas mãos movida pelo instinto acolhedor que sempre tivemos uma com a outra – Passei a tarde pensando nisso…
– Eu reparei… Também tava…
– Acha que a gente tem que falar com a mamãe?
– Não! – me exaltei por um instante, mas voltei à abaixar a voz – Tá louca, Vic?
– Ué, Vanessa! O que ela ia fazer com a gente?
– Sei lá! Só não acho que… Ai, eu não sei, Vic! Isso tudo é tão… Estranho!
– Sei lá, Van… e se eles forem… não sei, ADOTADOS? Pode acontecer, vai saber…
– Não são, Victoria! Eu vi a certidão dos dois…
– Que… – minha irmã soltou um suspiro de frustração – Que saco… Eu nem sei o que pensar…
– Eu também não… Foi tão estranho, sabe? Ver os dois ali na mesa…
– Pra mim também. Acha que eles planejavam contar a verdade pra gente um dia?
– Claro que não. Pra que eles iam contar?
– Ah, sei lá… Uma hora a gente ia descobrir! Talvez… não sei, talvez eles só estivessem esperando a gente ficar maior… Pra entender melhor, sei lá!
– Não tem como entender isso, Vic…
– Ah, Vanessa… Sei lá também!
– Victoria!
– Van, as pessoas se apaixonam!
– Não, Vic! – eu balançava a cabeça em negação – Não assim… Não desse jeito…!
– Eu não sei, ok?! Eu só… Só tô tentando entender isso tudo… Entender eles…
– … Acha que foi à força…?
– Vanessa! – minha irmã levantou um pouco a voz apertando meus dedos entre os delas – Claro que não! O papai nunca… Não!
– Isso acontece, Vic! Tem um monte de relatos…
– Eles se amam, Van! Você sabe disso!
– Agora! Eles se amam agora! – por alguma razão, eu sentia uma raiva por dentro – A gente não sabe como isso começou! Esse tipo de coisa não acontece naturalmente entre… Isso não é normal, Vic!
Minha irmã ficou em silêncio por um bom tempo.
– A gente sempre se beija… – finalmente ela disse baixinho. Hesitei por alguns instantes, mas tentei refutar aquela quase acusação da minha hipocrisia:
– Não é a mesma coisa… Você sabe que não é a mesma coisa, Vic.
– Eu sei que não é… Mas sei lá… Talvez eles tenham começado assim!
– Não, nada a ver! – instintivamente, puxei as mãos pra longe dela cruzando os braços – A gente só…
– Não… Você tá certa! – ela falava com uma confusão na voz – Eu só tô tentando processar isso tudo.
Sentia meus olhos marejarem. Não estava triste e a raiva havia passado também. Aquele choro era pela sensação de estar perdida. Minha família sempre foi meu pilar e agora esse pilar tinha ruído, pois fora construído sobre uma mentira escabrosa. Eu queria nunca ter olhado aquela pasta…
Desolada e me sentindo pequena, me deixei cair no colchão e rolei para o lado, encolhendo meu corpo contra a parede. Eu queria chorar, mas nem isso conseguia. Eu só precisava de amparo naquele momento. Normalmente eu teria desejado o colo do meu pai ou o abraço da minha mãe, mas naquela noite eles eram completos estranhos pra mim. Heitor e Mariana não eram aquele casal tradicional que eu havia conhecido a vida inteira: agora eles eram irmãos incestuosos e mentirosos que estavam vivendo uma vida cheia de farsa e pecado.
Victoria sempre fora capaz de sentir quando eu precisava dela. Sem que eu disesse uma só palavra, senti seus braços me envolverem por trás enquanto ela deitava comigo e me acolhia em seu abraço sempre tão compreensivo. Notei que ela também fungava em um choro aprisionado na garganta.
– A gente vai lidar com isso juntas… – ela sussurrou no meu ouvido – Como sempre fazemos com tudo…
– Só diz que vai ficar tudo bem… – choraminguei baixinho.
– As coisas vão ser um pouco diferentes agora, Van… – Vic acariciava meu cabelo – Mas eu juro pra você que vai ficar tudo bem, tá?
Naquela noite, abraçadas numa tentativa de nos agarrarmos à unica coisa que parecia realmente inabalável no mundo, minha irmã e eu dormimos entre sonhos agitados e perturbadores. Ambas só queriamos uma coisa: continuar de olhos fechados pra sempre, pois sabíamos que, ao acordar, o mundo nunca mais seria o mesmo.
Como de costume, às 6:40h da manhã seguinte, nosso despertador tocou sobre a cômoda. Abri os olhos e assisti enquanto minha irmã gêmea despertava de seu sono pouco reparador. Ficamos nos encarando por um tempo em um silêncio que foi interrompido apenas quando mamãe bateu na porta do quarto, colocou o rosto pra dentro, olhou na nossa direção e disse com um sorriso:
– Meninas, já tá na hora de se arrumar pra escola, vamo levantar?
Ambas saímos daquele transe matinal e começamos à nos espreguiçar enquanto murmurávamos uma resposta para nossa mãe.
– Vocês não tinham dito que iam mais cedo pra escola hoje?
– A gente esqueceu de… – eu dei um bocejo longo ainda na cama enquanto Vic já levantava procurando os chinelos – De botar o despertador pra mais cedo…
– Vocês também só vivem com a cabeça na lua, né? – mamãe riu – Anda logo vocês duas, vão tomar banho e se vestir. O café já tá na mesa! Vou acordar o Vitor.
A porta fechou e Victoria e eu estávamos novamente sozinhas. Ainda sonolenta, fui levantando da cama enquanto minha irmã pegava a toalha na janela.
– Quer dormir mais um pouquinho enquanto eu tomo banho primeiro? – perguntei já sentada no colchão.
– Não, já tô acordada… – ela respondeu esfregando os olhos.
– Tá, eu vou primeiro então.
– Posso fazer xixi antes? Tô apertada…
– Vem, ué… – comentei de forma casual enquanto pegava minha toalha – Eu também tô, mas posso fazer no chuveiro.
Meio trôpegas, fomos andando pela casa enquanto ouvíamos mamãe tentar inutilmente arrancar nosso irmão da cama no quarto ao lado. Entramos no banheiro frio e logo fui abrindo o chuveiro enquanto tirava o pijama e prendia o cabelo. Notei que a Vic me olhava com uma expressão curiosa enquanto também se despia e sentava no vaso sanitário.
– Que foi? – perguntei.
– Nada, ué. Não pode mais olhar?
– Eu hein… – encarava minha irmã com uma sobrancelha erguida – Parece até que nunca me viu.
Entrei no box e fechei a porta de vidro que já estava toda embaçada. Com os olhos fechados, senti a água quente cair sobre meu rosto e por todo o corpo, me fazendo relaxar um pouco enquanto ouvia o som da bexiga de Victoria sendo esvaziada na privada ao mesmo tempo em que eu mesma me aliviava sob o chuveiro. Aproveitei pra molhar o cabelo também, embora estivesse morrendo de preguiça de lavá-lo. Finalmente, a descarga soou do lado de fora do box.
– Quer aproveitar pra tomar banho já? – perguntei em voz alta.
– Só se você lavar meu cabelo! – minha irmã deu uma risadinha já caminhando na direção da porta de vidro.
Vic abriu a porta do box e, por um segundo, ficamos paradas e em silêncio uma de frente pra outra. Eu já inteira molhada e ela seca e ainda quente da cama. Meu cabelo ensopado contrastando com o dela que ainda estava meio amassado. Era como olhar pra um espelho que mostrava meu reflexo só que em uma dimensão paralela.
Movida por algo inexplicável, minha irmã deu um passo pra dentro do box, segurou minha cintura e, de olhos fechados, beijou minha boca. Tomada pela mesma força sobrenatural, simplesmente me entrelacei no seu abraço, fechei os olhos e aceitei aquele beijo.
Não era um beijo infantil como fora nosso primeiro selinho. Também não era como aqueles nossos “treinos” quando nos beijávamos de forma desajeitada imaginando como seria nosso primeiro beijo com o Colírio da Capricho do momento.
Não, Victoria e eu nos beijamos como duas mulheres tomadas pelo desejo.
Não durou muito e, poucos segundos depois, já haviamos nos afastado e tomávamos banho em silêncio. Não havia qualquer constrangimento ou algo do tipo e agíamos com uma naturalidade inesperada após o que tinha rolado. Na real eu mal estava pensando naquilo. Após lavar meu cabelo, lavei o da minha irmã também ainda em silêncio.
– Tá brava comigo? – ela perguntou de costas pra mim.
– Não. – respondi de forma direta, mas sem ser seca – Por que você fez aquilo?
– Não sei… Só senti vontade e fiz. Por que você deixou?
– Sei lá… Não senti que tinha que parar…
– Foi bom…?
– Uhum.
Voltamos ao silêncio enquanto terminávamos de nos lavar. Fechei o chuveiro e fui a primeira à sair do box. Enquanto eu me secava, minha irmã saiu logo atrás de mim já agarrando uma toalha. Ainda agíamos com a maior naturalidade do mundo: ela sentada no vaso secando os pés e eu levantada secando o cabelo de frente pro espelho da pia enquanto via seu reflexo atrás de mim.
– Acho que não vou ficar com o Breno hoje. – ela comentou sem me olhar – Quer ir no meu lugar?
– Não. Por que desistiu?
– Sei lá… Só não quero mais.
– Entendi…
– Me passa depois os exercícios de matemática? Esqueci de anotar ontem.
– Passo, eu já até respondi.
– Valeu! – ela se ergueu e começou à secar entre as pernas e sob os braços – Quer matar a aula de Inglês hoje?
– Vamo, eu já tô aprovada mesmo.
– Beleza então… – Victoria se enrolava na toalha e ia caminhando na direção da porta. Quando passou por mim, apenas perguntou sem me olhar – Vamo namorar?
– Uhum. – confirmei sem nem pensar, com os olhos fixos no ralo da pia.
Vic saiu do banheiro e eu me enrolei na toalha indo logo atrás dela. Nos vestimos, pegamos nosso material, tomamos café da manhã com mamãe e Vitor e fomos pra escola.
Nunca quisemos pensar nisso pra valer. Apenas fomos adiante. Aquela era nossa nova vida.

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4 Comentários

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  • Responder Lenílson ID:7xce1pj8rc

    Estória tá mais prá um livro do que prá um conto

  • Responder Lenílson ID:7xce1pj8rc

    Não nem pra Zé, tá mais prá um livro cheio de mentiras, do que um conto

  • Responder Lorenn ID:bemljnp0m4

    Enrolação do caralho

  • Responder Carlos ID:477hli0tfii

    Gostei da primeira parte