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Na feirinha parte 2

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Por mais que eu tentasse, não conseguia pensar em um jeito de disfarçar. Se eu queria entrar na brincadeira, teria que fazer coisas indisfarçáveis, como me depilar e tirar as sobrancelhas. Alguém acabaria sabendo. meus pais nem tanto, porque quase não ficavam em casa. A empregada também não se interferiria, mas minha irmã certamente perceberia.

Durante todo esse mês, enquanto eu treinava o rebolado no salto agulha e olhava minha calcinha enfiada no bumbum pelo espelho, ficava imaginando como vencer esse obstáculo. Só então é que pensei em usar isso ao meu favor. O nerd da família era eu, não ela. No auge de seus quinze anos, ela já conhecia na prática mais coisas do que talvez eu conheça até hoje. Certamente poderia me ajudar, desde que eu conseguisse fazer com que aceitasse. Eu não queria me expor a uma situação dessas e certamente ninguém gostaria, a grosso modo. Olhando por outro lado, quem além dela poderia segurar a barra para mim? Se saíssemos juntos, todos ganhariam.

Minha empregada teria menos trabalho. Minha irmã teria autorização para voltar só no dia seguinte. Eu teria um álibi para consumar meus desejos sem gerar desconfiança em mais ninguém. O único custo é que precisaria me aliar a minha velha inimiga da infância. E confesso que foi até mais fácil do que imaginei, vencido o medo inicial. As únicas coisas realmente memoráveis daquele momento foram a surpresa e até um certo preconceito apresentados por ela a princípio, mas vendo o quanto podia ganhar, a canalha mercenária se interessou pela idéia.

Em seguida, resolveu conferir o que eu já possuia em roupas, sapatos e acessórios. É incrível o dom da sinceridade que emana em minha simpática e adorável irmã. Fez questão de comentar o quanto achava brega metade do que eu possuia. Em menos de uma semana, como quem brincava de boneca, minha irmã refez boa parte do meu novo guarda-roupas. Vestidos novos e caríssimos, ela doou para caridade sem qualquer pudor, para meu desgosto. Minha mesada estava já estourada e papai me mataria se soubesse o porque. Seria difícil explicar.

Ainda assim, eu estava pronta, mas com medo. Tomo a liberdade de me referir a mim mesma como mulher a partir deste momento, pois a menina que eu escondi no último mês, agora já fazia parte do mundo. Minha irmã já sabia e a partir de então, não daria mais para me referir a mim como homem. Confesso que hoje mesmo eu não me vejo como uma mulher e nem como um homem. Sinto prazer representando os dois papéis, mas naquele momento, o meu papel seria o de uma ninfeta. Ainda não tinha um nome, mas já era uma fêmea.

Foi assim que ao final deste período de decisão, acabei por marcar com o Alfredo um encontro. Não quis me encontrar com ele em um local isolado. Sabia que passaria tranquilamente por uma adolescente com o corpo em formação, então marcamos de nos encontrar em um Shopping, no sábado à tarde. Era agosto, em pleno inverno. Seria fácil ser discreta. No dia anterior, tive uma última oportunidade de desistir, mas não conseguiria conviver com aquele tesão incontrolável por mais tempo. Enfim estava depilada e com as sobrancelhas feitas.

Estava pronta. Calcinha de seda. Meu pintinho preso para trás. Um sutiã vermelho e rendado, de seda, em conjunto com a calcinha e com pequenos enchimentos. Um vestidinho verde musgo em tafetá. Mangas cumpridas e decote modesto, super acinturado, fechado nas costas com corte pouco acima dos joelhos. Por cima, para sair de casa, joguei um sobretudo unissex branco e segui para o ponto de encontro, onde ainda dentro do carro eu faria a maquiagem, pentearia o cabelo e colocaria meu scarpin vermelho de couro. Minha irmã já tinha ficado no meio do caminho, para encontrar um fulano com quem estava ficando havia uma semana e meus pais estavam “cientes de que iamos juntos a um barzinho”.

Faltavam alguns minutos para o horário marcado quando meu celular tocou. Mais uma revisada na maquiagem e um pouco de Carolina Herrera 212 Sexy no decote. Concentração para não tremer o suficiente para desequilibrar no salto. Estava na hora de sair do carro e encontrar o Alfredo.

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