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Seu nome era Yago 2

2853 palavras | 4 |3.51
Por

Bem… Irei retomar de onde parei, pois não quero deixar de contar-lhes os detalhes.
Levei o Yago pra dentro da casa, ainda sentindo seu corpinho macio em meu braço, enquanto subia a escada rústica que dava para a área. Na mente, recordo de toda a turbilhão de confusão. “O mais lindo de todos”, pensava; o que ele quer dizer com isso? O mais lindo de todos? De todos quem?
Ao entrarmos na cozinha, e ao deparar-me com seu Carlos descascando uma laranja, reparei que já deveria ter colocado Yago no chão. Virei, instintivamente, o corpo um pouco para a lateral contrária do velho, pra que ele não notasse a minha ereção teimosa, e pus o pequeno no chão. Em seguida, num relapso, puxei um pouco mais a camisa pra baixo, pra tapar-me. O menino direcionou-se para o lado do pai.
– Você quer?
– Todinho. Pode ser agora? (Ohou pra mim e sorriu).
– A laranja, Yago. (Disse seu Carlos, num tom sério).
O diabinho sorriu, desviando os olhos para o pai.
– Eu sei (risos). Eu quero.
Ao pegar a laranja descascada, seu Carlos ordenou-lhe:
-Vá ajeitar suas coisas, jajá vou embora. Vá lá tirar o que trouxe de dentro do carro. Não tem nada muito pesado, né?
– Não, papai. Só minhas bonecas e minha maletinha. – Disse o menino, já se retirando.
Sentindo-me meio tonto, puxei uma cadeira e sentei, notando a secura de minha boca.
– Aiai… Pois bem, Valter, esse é o meu príncipe.
– Hum… (Olhei-o rapidamente e desviei os olhos para as minhas mãos).
– Bom… Não se sinta embaraçado, por favor. Você quer me falar alguma coisa. Tá diferente.

Porra, tu é quem tem que me falar, pensei.

– É…
– Olhe… O Yago tem esse jeito… Bom… Muitos podem achar que ele é gay, bichinha; já nem sei quantas vezes troquei ele de escola nos últimos anos, até que, enfim, achei essa última que parece estar dando certo. Mas ele não se vê assim, você é um rapaz esperto, deve entender dessas coisas. A psicóloga afirma com afinco que se trata de um caso efetivo de transexualidade. Soma-se a isso o dote que ele, ou ela (risos) possui. É uma criança muito inteligente, com uma sagacidade ímpar. O que já foi notado por especialistas, inclusive.
– É… El… Devo dizer ele ou ela? (Perguntei, meio sem graça)
– Sinta-se a vontade…
– Como?
– Chame como quiser, meu filho.
– Ah… Pois é… Ele é mesmo, parece mesmo ser muito inteligente pra idade.
Seu Carlos ostentou um largo sorriso na face branca e ruborizada pelo calor.
– Sim. O que me enche de orgulho. Sabe, meu filho, vou te contar um segredo. (Puxou uma cadeira de frente à minha e encarou-me) O Yago é meu filho. Foi fruto de um caso antigo com uma puta.
– Ãm…
– Laura nunca aceitaria, então tive de inventar toda uma história de adoção. Sabe como são as coisas… Laura nunca pode me dar filhos, então o Yago, sendo meu único herdeiro foi um sonho, e é um sonho magnífico pra mim. Eu não tenho preconceito de espécie alguma, e…
– Claro…
– E não abandonaria meu sangue, meu pimpolhinho lindo nas mãos da Paula. Jamais.
– Paula?
– A mãe dele. Era viciada, talvez ainda seja, mas pense (baixou a cabeça mais em minha direção e disse num tom atenuado) numa puta boa… – Gargalhou.
Sorri, ainda assombrado.
– A peste me custou 300.000,00 reais, acredita? 300 mil pra calar a boca, me passar o Yago como adoção e sumir no mundo. (Tossi, imaginando que o velho deveria mesmo ser milionário, enquanto via a grossura das jóias de ouro por seu corpo). No começo, a Laura até que gostou da ideia, mas logo depois de uns dois anos de idade, o Yago já começou a mostrar que não nega a raça (Piscou pra mim).
– Como assim, seu Carlos?
– Ah meu filho, cê tá um pouco lento hoje, em rapaz?
Olhei pras minhas pernas, percebendo que as movimentava com inquietude.
– Logo com uns três anos ele começou a chegar em casa com… Uma vez (gargalhou) tu acredita que uma vez ele chegou com uma cueca grande na bolsa e a Laura achou? (Minha garganta secou, não conseguia falar mais nada, apenas assentir. O velho falava de tudo aquilo na maior calma e simplicidade) Aí, claro, só com alguns meses e outros sinais, descobri que era de um jovem de uns 16 anos, já do Ensino Médio da escola onde, na época, ele fazia o Maternal, Jardim 1, sei lá. (Continuava sorrindo, acho que já notando a minha tensão crescente). Desde os três anos isso, Valter, já não negava a raça. A mãe, uma puta de primeira, e o paizão aqui nem se fala, em? (Deu-me um tapa no ombro, me despertando do transe) É como dizem… “Filhinho de peixe, peixinho é; e também dizem que o fruto não cai muito longe do pé”, não é mesmo? Puxou aos pais o safadinho. (Sorriu)
– E… E como ele… Como essa cueca foi parar na bolsa dele? (Indaguei, curioso e temeroso, ao mesmo tempo, mas acontece que tudo aquilo tava acendendo algo, me puxando a algo que eu não sabia definir ou deter).
Seu Carlos ignorou minha pergunta:
-Aí começou, já nessa idade, aos três anos, a querer usar batom, brincar de bonecas, comprei-lhe chapinha essas coisas, esmaltes, tudo o que ele me pedia. A Laura, claro, me fulminando a todo o tempo, dizendo que deveria lhe impor pulso firme, lhe ensinar a virar homem, essas coisas. Mas não. Nunca cedi. Sempre ouvi meu filho (ficou sério), e farei isso até o fim. (Encarou-me).
– Estou or… É muito orgulho o que sinto de ouvi-lo, seu Carlos. O senhor é um exemplo. E logo o senhor, né, que… Sei lá como dizer.
Sorriu.
– Que pareço tão “bruco”, né? Pois é. Não sei ler, é verdade, enriqueci na vida a troco de muito trabalho e uns macetes tortos aqui e ali (piscou), mas não sou insensível. E amo, e repito, farei todo o possível nessa vida pra ver o Yago feliz.
O menino entrou, cantarolando e rodopiando pela cozinha…
– Tão falando de mim, né, senhorzinho? (Deu uns três toques na barba grisalha do queixo do pai) Nam, nam, nem… Você não tem jeito.
Sorri, agora de verdade.
– Eu não tenho jeito, é? (Pegou o menino pela cintura e o pôs sentado sobre a mesa). (Pai e filho se encaravam, e eu via o brilho de amor nos olhos de seu Carlos, aquilo era um tapa, ou melhor, um murro na cara da sociedade hipócrita e homofóbica).
– Não. (Sussurrou a criança) Olhe… Eu esqueci meu hidratante novo e meu esmalte da Morena Rosa. Vi agora.
– Ah, Yago (Disse o pai, com ar de desgosto) Até aqui, meu filho? Até aqui você vai se preocupar com essas coisinhas, quanta vaidade, meu filho.
– Negativo. Quero nem saber. Quero minhas coisas, pai. (Disse, manhoso).
– Você já num pintou as unhas ontem? Tá com as unhas pintadas já. Dá pra esperar até o final da semana, quando eu vier te buscar.
– Mas…
– Mas nada.
– Mas e se aquela bruxa jogar fora, e…
– Olhe… Não fale assim de sua mãe. Olha o que o rapaz vai pensar (Yago olhou pra mim com seus lindos olhos brilhantes, e de volta pro pai).
– Ela não é minha mãe.
– Ela é, filho. Ela…
– Pois eu não quero que seja. Não gosto dela. Que saco. (Cruzou os bracinhos, fazendo uma manha fofa).
– Chega, Yago. Faço tudo por você, só peço que respeite mais a Laura, filho. Logo logo o papai vai tirar você de lá. Prometi, num foi?
– Sim.
– Pois então…
Eu ainda estava abobalhado com tudo, quando Yago olhou-me mais uma vez e disse ao pai:
– Ah… Eu também esqueci… (Fechou as duas mãozinhas em volta da boca e disse algo no ouvido de seu Carlos)
O velho sorriu enquanto o filho sussurrava em seu ouvido. Olhou-me por um momento, e de volta ao diabinho.
– Será que você vai precisar? (O menino abriu a boca como que espantado pela pergunta do pai. Seu Carlos lhe olhava com safadeza)
– Claro que sim… O senhor só pode tá de brincadeira.
– Às vezes não precisa, neném.
– S.E.M.P.R.E (frisou) precisa, pai. Se não, machuca (sussurrou). Seu Carlos sorriu pro filho.
– E que você propõe?
– Ué, que você vá na cidade AGORA e traga essas coisas, pois não vou passar uma semana inteira aqui sem elas. Não tem condições. Me põe no chão (levantou os braços).
– Sem condições é de eu ir na cidade AGORA (imitou o menino do jeito que pronunciou essa palavra pro pai, com autoridade e um tanto de afetação feminina) só pelos seus caprichos.
– Pois então mande alguém de lá, algum empregado, trazer.
O homem gargalhou com alegria pro filho, colocando-o no chão. Era nítido que ele amava a personalidade de seus filho.
– Claro, senhor. (Disse com subserviência ao pequeno) E quem seria esse empregado?
– Pode ser o Maurício. (O pai levantou as sobrancelhas pro filho, enquanto Yago colocou-se ao meu lado e apertou-me a mão com sua delicada e pequena mãozinha. (Um impulso nervoso percorreu todo o meu braço, irradiando-se pela espinha, mas não puxei a mão. Sorte minha ser moreno, do contrário, se fosse branco, estaria vermelho naquele instante). Quero que o Maurício veja -levantou minha mão, entrelaçada pela sua, para que o pai visse- que estou bem acompanhada.
Tossi, já pelo auge do embaraço.
– Tu é fogo, em? Olha que o Maurício pode querer ir embora e…
– Que vá. (Soltou minha mão e foi em direção ao pai, sem nem me dar atenção, como se eu fosse só um mero objeto.) Lembra o que te falei do meu último encontro com ele lá na garagem?
– Sim.
Que peste é essa?, pensei. Lutava pra tentar entender o diálogo dos dois.
– Pois é, pai. Quem ele pensa que é?
– Você sabe que a mulher dele terminou com ele e que…
– Não tem nada a ver, pai. O senhor defende ele demais. (Carlos sorriu) Vou é parar de te contar as coisas.
– Ah, vai, é?
Seu Carlos prendeu o menino entre as pernas, fazendo cócegas em sua barriga. Yago soltava gargalhadas finas e lindas.
– Para. – Disse o menino, batendo no braço do coroa.
– Ok. Vou mandar o Maurício trazer suas coisinhas hoje à tarde.
Yago abriu um sorriso de orelha a orelha.
– Ótimo.
– Hum… Conheço bem essa carinha de traquina. O que tu tá maquinando, em?
Eles conversavam como se eu não estivesse ali, eu estava realmente me sentindo incomodado e sabia que precisava sair dali pois já estava sentado a tempo demais, e precisava mostrar serviço pro velho, mas simplesmente estava envolvido demais pra levantar-me. Eu bebia aquele diálogo, aquela relação como uma fonte de água límpida num dia escaldante. Não conseguia deixar de ouvir, de ver. E algo ja me dizia que eu era apenas uma carta dos dois, uma peça que logo logo conheceria a sua função.
– Sabe que é, pai… eu queria ser uma mosquinha pra ver a cara dele quando tiver de ir na farmácia comprar o lubrifican… (olhou rápido pra mim, e desviou os olhos pro pai, não terminando a palavra).
– Yago, você é terrível (Disse seu Carlos, olhando o filho com um assombro orgulhoso). Quer dizer que… (gargalharam, ambos)
– Sim. Não é pra mandar o de minha penteadeira – sorriu o menino – Quero que mande ele comprar um novo em uma farmácia, porque, assim, tenho certeza ele vai ver.
– Às vezes tenho medo de você.
– Outra coisa, seu Carlos…
Mas que afoito, pensei, embasbacado, ouvindo-o chamar o próprio pai pelo nome.
– Sim, senhorzinho? (Disse o pai, sorrindo). Quero que pelo menos aqui, não me chamem de Yago (falou seu próprio nome com nojo na voz).
– Hum… Você não para de evoluir e me surpreender. Acho que vou tomar seu iphone.
– Rá, Rá, Rá. Vou me lembrar de sorrir disso mais tarde.
O velho gargalhou do deboche do pequeno gênio, eu simplesmente fazia força pra não enlouquecer.
– E como quer que chamemos você aqui?
– Ainda não escolhi. (Respondeu o menino, sem pestanejar).

Seu Carlos levantou-se, e eu o fiz também. Olhando rápido do menino pra ele, e dele pro menino. Estendeu-me a mão, e apertei-a.
– Estou indo, Valter. Esse menino é uma bênção, você viu só? (Sorriu) O leite foi tirado?
– Si… Sim, seu Carlos. Tá na geladeira. Tirei seis litros, como o senhor pediu.
– Vou levar quatro pra Laura. A gente tem uma cozinheira lá na mansão que faz cada bolo, rapaz… Vou lembrar de trazer um pra você na sexta.
– Aquele monte de roupa no seu guarda-roupas… De… (Olhei pro menino, rezando pro velho entender e eu não ter que falar por mim mesmo).
– De menina? (Perguntou seu Carlos, fazendo Yago olhar-me). São do Yago. Ele tem mais roupas aqui do que lá em casa, eu acho.
-Lá em nem posso usar, sempre, o que quero (Disse o menino, baixinho, mas pude ouvir).
– Claro. Imaginei.
– Pois é, mas não se incomode com ele não. As roupas que ele suja aqui eu sempre levo pra cidade pra empregada lavar e trago novamente.
Não parava de imaginar todos aqueles mini-shortinhos, tops e fios-dental que vi no guarda-roupas sendo vestidos por Yago. Seria mesmo possível?
– Filho?
– Oi?
– Umas seis horas da tarde o Maurício já deverá estar chegando aqui com o que você pediu, tá? Já vou.
– Tá bom, pai.
O menino largou suas bonecas e veio em direção ao pai, abraçando-lhe na altura da barriga.
– Eu te amo tanto. (Disse pro pai, com uma verdade palpável na voz) Você é o melhor do mundo.
Seu Carlos me olhou, sorrindo, e pegou o menino no colo.
– Eu te amo mais.
Deram um selinho rápido, mais cheio de afeto. Meu coração pulou nessa hora, e dei-me conta de uma emoção desconhecida.
Pôs Yago no chão e direcionou-se à caminhonete.
– Vá!
– Oi? (Perguntei a Yago, enquanto seu pai fechava a porta do carro e ligava o motor).
– Papai tem razão, você tá lento hoje, em?
Balance a cabeça, confuso e sorrindo já com estresse pela audácia do pequeno.
– Vá A.B.R.I.R (gesticulou com afetação apontando para a frente, fazendo-me seguir a direção de sua indicação) a cancela para o seu patrão.
Abri a boca, encarando-o com espanto.
– Ou você quer que ele mesmo desça e abra? Cuida! (O glosa em seus lábios grossos brilhava enquanto ele empinava o perfeito narizinho, levantando o queixo. Essa era sempre a sua expressão quando assumia seu ar de comando.
Senti meu sangue esquentar com aquela ousadia desmedida. A vontade que me deu foi de deitá-lo sobre minha perna e estapear forte a sua bunda até deixá-la vermelha. O pensamento fez-me estremecer. Desliguei a imaginação e, ainda com ira, mergulhei no sol escaldante e corri em direção à cancela, abrindo-a a tempo, e fechando-a, ao passar do carro.

Enquanto subia o terreno íngreme em direção à casa central, já não via o demôniozinho em meu campo de visão, mas imaginei que deveria estar arrumando seu quarto. Peguei a mangueira e voltei a aguar a horta, imaginando como seria infernizante aquela semana com aquele projeto de frescura e sabedoria debochadora ambulante. Mal sabia eu tudo o que ainda me aguardava. Aquela era apenas a fase primeira de confronto pessoal e acomodação ao novo, que eu estava passando. Pois para Yago tudo aquilo era tão comum como uma chuva, e eu era, naquele momento, apenas mais uma de duas peças.
Ainda havia descobertas assombrosas por vir, e o principal: o meu papel naquilo tudo.
Meu mundo, minha ideologia e tudo o que eu acreditava e amava tomaria uma direção completamente oposta a tudo o que eu cria até então. Eu estava sendo assassinado e, ao mesmo tempo, refeito.

Continua…

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4 Comentários

Talvez precise aguardar o comentario ser aprovado
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  • Responder safado ID:e7o6vziqz6f

    muito longo e chato…………

  • Responder Torinho ID:1cofw08nk8bt

    Ohhh…. Muito bom, continua 😀

  • Responder Messin ID:on932u049k

    Continua logo por favor ta muito legal

  • Responder Messin ID:on932u049k

    Continua